Quem sou eu

Minha foto
Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Crônica da semana passada no Jornal do Brasil

Armando Nejar e o apagão no Leblon

O convidado chegou cedo, não queria se atrasar. Era um encontro importante, daqueles que só acontecem uma vez na vida. Estava prestes a conhecer o homem cujo apelido sintetizava sua importância no cenário mundial: o cara. E ele, o cara, convidara-o com pompas e honrarias, demonstrando um respeito inaudito para os padrões com que era recebido em outros lugares. Daí a ansiedade com o horário.

Mas o cara estava atrasado. Dez, vinte, quarenta, cinquenta minutos, e nada. Nem sinal do anfitrião. Enquanto isso, o convidado permanecia sentado na cadeira modernista que não fora projetada para sua estatura, balançando as perninhas curtas de forma descontrolada, num claro sinal de impaciência. Os olhos fixos no teto, a cabeça pendendo para o lado, os dedos percorrendo a barba grisalha em movimentos circulares e brutos. De repente, uma irritação talibã tomou conta dele.

Ameaçou ir embora, pular da cadeira, explodir o lugar. Mas foi convencido a ficar pelo tradutor que o acompanhava, cujos conhecimentos da língua árabe eram tão rudimentares que acabaram se tornando eficientes. Na dúvida, o convidado preferiu acreditar que estava sendo elogiado e esperou mais um pouco.

Só depois de duas horas o cara chegou.
- Armando, meu querido! Seja bem-vindo! Você é muito mais bonito pessoalmente!
O anfitrião era simpático, não havia dúvidas. Tinha as bochechas rosadas, o sorriso farto e um jeito de falar que lembrava velhos camaradas siberianos, daqueles que bebem vodka no gargalo e trocam beijos estalados. Em poucos minutos, passou da irritação à idolatria. “Votaria nesse cara pra qualquer coisa”, pensou, enquanto recebia o abraço apertado que quase fraturou suas frágeis costelas.
- Vamos logo para a sala de jantar, Armando. Mandei preparar uma buchada de bode pra nós.
O convidado sentou-se à cabeceira da mesa, incentivado pelo cara, cuja esposa foi logo oferecendo um aperitivo tipicamente brasileiro .
- Posso servi-lo, senhor Nejar?
- Claro! E me chame de Armando, por favor.
Aproveitando a intimidade recém-adquirida, o anfitrião alertou:
- Cuidado com esse aperitivo, Armandinho. Ele sobe rápido.
- E eu não sei? Como você acha que eu estava quando neguei o holocausto? Não sou preconceituoso! Meu problema são esses viadinhos da imprensa.
- Aqui no Brasil é igual. Esse pessoal deturpa tudo. Acham que são fiscais, que podem nos investigar. Quem deu tanto poder a eles?
- Isso é culpa dos americanos. E ainda querem me impedir de construir a bomba! Como é que eu vou me defender desses terroristas? – perguntou Armando Nejar.
- Tem meu apoio irrestrito. – respondeu o anfitrião.
- Além disso, a energia nuclear é muito mais limpa. Estamos fazendo um bem para o mundo inteiro, não apenas para nós.
- Sempre digo isso. A ecologia é um problema de todos porque a terra é redonda. Se fosse quadrada, a fumaça ficava só com os gringos. Mas ninguém entende meu raciocínio, Armandinho. São uns ignorantes.
Lá pelo sétimo aperitivo, a buchada foi servida. O convidado admirou as vísceras costuradas naquela superfície incomum cuja textura lhe fazia lembrar uma comida típica de sua terra natal. Sentiu-se em casa e traçou dois pratos fundos, mas, antes de encher o terceiro prato, um pique de luz deixou a casa às escuras e a panela rolou pela mesa até cair no chão.
- Apagão! – berraram os vizinhos.
- É um atentado! Vão me matar! – gritou Armando.
O anfitrião se levantou tranquilamente, acendeu um par de velas, recolheu a comida do chão e serviu o convidado, que nem se importou com a sujeira, tamanho era o pavor que sentia.
- Calma, Armandinho! Fui eu que mandei apagar as luzes. Agora senta aí e vamos curtir nossa buchada à luz de velas.
- Mas por que você fez isso?
- Elementar, companheiro. No escuro, ninguém percebe que o Dirceu está voltando, o Sarney está recontratando, os gastos estão aumentando, o Renan está mandando e outras coisinhas mais. Além disso, aproveitei pra sacanear o Serra e o Aécio: mandei cortar a luz em São Paulo e em outros dez estados! – disse o anfitrião, antes de soltar uma gargalhada.
- Mas acabei de saber que em Minas não teve apagão. – disse a esposa, atenta à conversa do marido.
- E vocês acham que não pensei nisso? Pra sacanear o Aécio mandei cortar a luz do Leblon, querida. Nem aos restaurantes ele consegue ir.
Com inveja de tanta astúcia, Armando Nejar propôs um brinde:
- Ao meu mais novo e melhor amigo: você é o cara!

Um comentário:

Jacinta disse...

Nunca antes na História desse País, rsrsrs.