Um
autor em busca de tradução
Os
homens sem alma não sorriem. Os homens sem alma carregam pastas. Os homens sem
alma caminham pela Rua XV, em Curitiba, cidade que serve de cenário para os
sete contos do livro de Marcio Renato dos Santos, cuja carreira no jornalismo e
na crítica cultural já é conhecida em todo país.
O autor mora na capital paranaense e
a expressão “homens sem alma” é cotidianamente repetida por ele, como um
mantra, em suas conversas com amigos e colegas de redação. Duas informações que
já seriam suficientes para identificar o teor autobiográfico de seus textos.
Mas ele é ainda mais incisivo. O tom confessional começa no próprio título:
Minda-Au foi a tradução que encontrou para a palavra dromedário quando tinha
menos de uma ano de idade.
A partir desta palavra, ele diz que
começou a se tornar Marcio Renato dos Santos. Ou seja, foi através da linguagem
que começa a ter identidade. Ou, pelo menos, a buscar essa identidade. O que
fica ainda mais evidente nas influências literárias de seus contos. Em “O
espírito da Floresta”, por exemplo, o realismo fantástico o aproxima de uma
determinada vertente da literatura latino-americana. Já em “De teletransporte
nº 2”, Marcio subverte a pontuação, ignorando vírgulas e parágrafos, em um
claro tributo a José Saramago.
Mas é no conto “Ali, agora”, o
último do livro, que o autor se revela com mais intensidade, ao homenagear seu
mestre, um escritor cujo nome não é mencionado. Só sabemos que ele morreu de
câncer, com mais de sessenta anos. E que, além de habitar a mesma Curitiba,
traduziu-a em palavras.
Minda-Au é o livro de um autor em
busca da mais difícil das traduções. Seus contos ultrapassam a metalinguagem e
as estratégias narrativas, pois não há nada mais complexo do que traduzir a si
mesmo.
E
é preciso muita coragem para tentar.
2 comentários:
Deu vontade de ler!
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