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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Herméticos, chatos e bestas

Generalizações não levianas
Felipe Pena*

Em artigo publicado recentemente no Prosa & Verso, Adriana Lisboa chamou de levianas e generalizantes as críticas à contemporânea literatura brasileira. Mas parece que esqueceu de renunciar a estes dois adjetivos em seu próprio texto, ao classificar tais atitudes críticas de ressentidas, superficiais e azeitadas pela blogosfera. Entretanto, não vou criticá-la por suas generalizações. Quero, antes, defendê-las como estratégia de discurso e caminho eficaz para o bom debate. No caso proposto, um debate sobre a formação de um público leitor no país.
Para começar, dizer que toda generalização é leviana é uma leviandade e, também, uma generalização. Se, por exemplo, eu disser que a saúde no Rio é caótica, estou generalizando, mas não estou sendo leviano. Claro que eu poderia citar uma série de médicos competentes e até mencionar a emergência do Miguel Couto como uma das melhores do país, mas estas seriam exceções que só confirmariam a regra cotidiana dos hospitais lotados, do péssimo atendimento e da falta de profissionais.
O mesmo raciocínio se aplica às teorizações. Qualquer teoria não passa de um reducionismo. Está na sua natureza. Se vou teorizar sobre determinado assunto, significa que quero enquadrá-lo sob um ponto de vista determinado. Mesmo que para isso utilize os mais diversos conceitos e as mais diversas metodologias. Ao final, meu trabalho acaba sendo reduzir os tais conceitos e as tais metodologias aos limites do próprio quadro teórico que proponho.
Então, para que produzir teorias nas mais diversas áreas do conhecimento? Resposta: para aprofundar o conhecimento sobre elas. Por mais paradoxal que pareça, reduzir também é ampliar. Quando faço um recorte sobre um tema, meus métodos de análise promovem questões que podem servir para incentivar a criação de outros métodos, que vão produzir novas questões e assim por diante. A pertinência de qualquer debate está nas perguntas, não nas respostas. Mesmo que eu produza incômodas generalizações.
Quando afirmo que a literatura contemporânea brasileira é chata, hermética e besta, obviamente sei que há exceções. Mas se minhas críticas começassem por elas, o debate estaria esvaziado. É muito fácil promover alianças com os mais diversos grupos literários para angariar apoios e concorrer ao título de namoradinha do Brasil. Assim, eu poderia citar todos os tipos de literatura produzida no país, ressaltando as qualidades de cada um. Mas quem vestiria a carapuça da falta de leitores ?
Se há economistas com prosa poética, jornalistas com escrita ágil, cristãos iconoclastas, guitarristas românticos, poetas excepcionais, cronistas brilhantes e toda a sorte de adjetivos e gêneros, cuja combinação nos transforma no éden literário do mundo, por que nossos leitores são seduzidos pelos “viados de Cabul”, como muito bem observa o escritor Antonio Torres?
A resposta não passa pela negação das qualidades da literatura brasileira, mas por uma discussão sobre a formação de um público leitor no país. Mesmo quando classifico os autores contemporâneos de chatos, herméticos e bestas, faço-o do ponto de vista da disseminação da leitura, não da análise estética, embora esta última esteja intrinsecamente ligada à minha crítica.
Não se trata de colocar o desejo soberano de ser lido na origem do processo criativo. Mas de entender por que não há espaço para aqueles que têm tal desejo. A literatura brasileira contemporânea tem poucos autores dispostos a contar uma boa história, sem a preocupação de produzir experimentalismos e jogos de linguagem, mas eles convivem com o receio de serem arbitrariamente rotulados como superficiais.
Apesar da tão apregoada diversidade da prosa nacional, a crítica acadêmica dividiu-a em pólos antagônicos. Quem não é moderninho, é superficial. E ponto final. Essa é a generalização leviana da nossa literatura. É ela que produz distorções, afasta leitores e joga sua névoa sobre o mundo literário.
Precisamos criar espaço para uma ficção que não seja nem erudita nem best seller, cuja narrativa percorra uma espécie de caminho do meio, tão importante para a formação de leitores assíduos e freqüentes no país. O “meio” nos vários sentidos do termo: aquele que está entre a linguagem hermética e o simplismo bestializante, entre o clássico e o inovador, entre o cânon e o marginal, entre o consagrado e o estreante. Algo que cative o leitor e o leve a novas leituras. Na melhor tradução do termo, uma história bem contada.


* Felipe Pena é professor da UFF, doutor em Literatura Brasileira e escritor.