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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

AMORES PERDIDOS - crônica de hoje no JB


Ela ligou o rádio. O medo de ter medo de ter medo. Nina adorava o Renato Russo. Ouvia o dia inteiro, intercalando com a poesia do Rimbaud, os romances latino-americanos e a novela da Globo. Podia ser um recado personalizado se eu fosse capaz de entender. Bastava notar o aumento do volume no meio da música, sempre na mesma parte: o salva-vidas não está lá porque não temos.

Não notei. O salva-vidas não estava lá.

No primeiro ano, grudamos o couro um no outro até fazer ferida. Tínhamos que recuperar o tempo perdido. Outra música do Renato, eu sei. Mas nessa época ouvíamos Radiohead, Los Hermanos, Beatles e até nos divertíamos com a Lady Gaga, dançando seminus na varanda só pra escandalizar os vizinhos.

Nas noites calmas, as peel sessions de P J Harvey e o remix do Yolatengo disputavam espaço com o velho Miles Davis. Bebíamos o Chateau Laplanche no copo de geleia mesmo, mas só após a decantação.

- Deixa o vinho respirar, meu amor.

Os finais de semana eram todos prolongados. Nina chegava lá em casa na quinta e só ia embora na terça. Vida de casado, eu achava. E continuei achando. Ela separou metade das gavetas do closet, transferiu minhas camisas para o quarto de hóspedes e hospedou os sapatos no lugar da coleção de fitas VHS, devidamente catalogadas no armário da biblioteca. Bora digitalizar esse negócio, Antonio!

Concordei.

Nem o que havia de mais perturbador na minha rotina intelecto-urbana era um estorvo. Pelo contrário. Eu gostava dos jogos infantis, das interrupções no meu trabalho, do raciocínio perdido. Há uma certa sedução na ingenuidade. Ou na crença na ingenuidade.

Nina preparava pequenas surpresas em efemérides do calendário judaico-comercial-cristão. Na Páscoa, separou cascas de ovos e pintou-as delicadamente como se fossem obras astecas, deixando-as em um cesto na porta do meu escritório. No Natal, fez um imenso cartão em forma de mosaico com fotos de nossa viagem pela Europa. No meu aniversário, construiu uma bandeja para o notebook, acompanhada de uma proteção de tela com o rosto do incrível Hulk. Você é meu Bruce Benner, dizia, estimulando raios gama por métodos pouco ortodoxos.

E voltava pra minha biblioteca, tentando sorver tudo que encontrava nas prateleiras. Literatura russa, sociologia americana, história francesa, filosofia alemã. Só parava pra ver a novela e o paredão do Big Brother.

Ela conseguia fazer essa mistura entre versos alexandrinos e cantigas de ninar (incluindo o trocadilho). Como se a Silvia Plath e uma líder de torcida habitassem o mesmo corpo. Num dia líamos A superação da metafísica, do Heidegger. No outro, dançávamos o Ilariê da Xuxa. E, porra, eu morro de vergonha desse alemão pós-niilista. Prefiro o concretismo da loura, embora jamais tivesse tempo de acompanhar sua pedagogia. Além de não ter nenhum tesão nas paquitas.

Meu negócio é a Nina mesmo.

Seria injusto dizer que metade das minhas crônicas foi inspirada na sua transcendência eslavo-tupiniquim-televisiva. Era muito mais que isso. Todas as crônicas, todos os livros, todos os verbos, advérbios, adjetivos, concordâncias e discordâncias da minha lexicografia primária foram criados pelo dicionário de Nina. Tudo estava nela. Sem exagero. Podem acreditar: não tô pagando paixão. Apenas consignando um fato concreto, lúcido, racional.

Ainda assim, não fui capaz de perceber sua angústia. Não consegui dançar nas entrelinhas. Não olhei pra cima. Não cavei a terra. Não joguei as cartas do tarô. Não li o poema do Carpinejar.

Descobre-se um amor na iminência de perdê-lo.


Além de jornalista e escritor, Felipe Pena é doutor em Literatura pela PUC, pós-doutor em semiologia pela Sorbonne III e professor da UFF. É autor de 11 livros, entre eles os romances Fábrica de Diplomas, O marido perfeito mora ao lado e O Verso do cartão de embarque.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Pesquisas e palestras sobre jornalismo

Programação do GP de Teoria do Jornalismo da Intercom

Coordenação geral e curadoria: Prof. Felipe Pena

4 de setembro
- GP - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
O jornalismo e a construção social da realidade
Coordenador(a): Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio)
Dia 4/9 das 14h00 às 16h00 -


A teorias do jornalismo impresso e a construção do cotidiano urbano
Wellington José de olivbeira Pereira(UFPB)

O Brasil na Imprensa Argentina – Alguns Sentidos pregnantes no Discurso do Clarín Sobre a Violência
Marcelo da Silva(USC)

O Pensamento Jornalístico Português nos alvores dos anos quarenta: o contributo do Boletim do Sindicato Nacional dos Jornalistas (1941-1945)
Jorge Pedro Almeida Silva Sousa(UFP), Liliana Mesquita Machado(UFP)

As Notícias Vistas pelo Avesso: os Homicídios Femininos sob o Olhar dos Newsmaking
Sandra Raquew dos Santos Azevêdo(UFCG), Roberta Kelly de Sousa Ramos(UFCG)

A Grande Imprensa e o Poder: A Construção Social da Realidade no Embate Globo X Record
Lauro Almeida de Moraes(UESC)

A Construção Discursiva dos “fatos” pela mídia: um Estudo Enunciativo sobre o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) de Lula
Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro(UFPE), José Ricardo Rodrigues de Mello Filho(UNICAP)



- GP - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
Cobertura política, espaço público e humanização do jornalismo
Coordenador(a): Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio)
Dia 4/9 das 16h00 às 18h00 -


Humanização e desumanização no jornalismo: algumas saídas
Jorge Kanehide Ijuim(UFSC)

Quando Lasswell encontra a cobertura eleitoral da FSP: uso do "coeficiente de desequilíbrio" na análise empírica da produção jornalística da FSP em coberturas de campanhas presidenciais do PT e PSDB
Emerson Urizzi Cervi(UEPG)

As teorias do jornalismo e a leitura do espaço público
Tarcineide Mesquita Galdino(UFPB), Wellington José de Oliveira Pereira(UFPB)

Jornalismo: identidade e contribuição ao agir político
Gabriel Nogueira Linhares Marquim(UFPE), Heitor Costa Lima da Rocha(UFPE)

Jornalismo, ética e humanização: reflexões sobre a tríplice tessitura
Criselli Maria Montipó(UFSC)

Direitos humanos? A uma parte da imprensa brasileira, depende...
Wagner Barge Belmonte(Fapcom)



5 de setembro
- GP - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
O jornalismo literário e as novas possibilidades de carreira para os jornalistas
Coordenador(a): Monica Martinez (FIAMFAAM), Coordenador(a): Felipe Pena de Oliveira (UFF)
Dia 5/9 das 14h00 às 16h00 -


O Perfil dos Jornalistas Freelancers da Cidade de São Paulo: mudanças no mundo do trabalho do jornalista
Rafael do Nascimento Grohmann(USP)

Possibilidades de aplicação do conceito de carreiras profissionais nos estudos sobre jornalismo
Fábio Henrique Pereira(UnB)

O Webjornalismo e a Sociedade da Informação: Os Impactos Sobre o Fazer Jornalístico e as Empresas de Comunicação
Ivo Henrique França de Andrade Dantas Cavalcanti(UFPE)

Ensino de jornalismo: lições da história para além do empirismo
Alice Mitika Koshiyama(ECA-USP)

Jornalismo Literário em Ambientes Digitais: estudo de caso da produção da jornalista Eliane Brum
Monica Martinez(FIAMFAAM)



- GP - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
Discursos jornalísticos e estudos etnográficos
Coordenador(a): Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio)
Dia 5/9 das 14h00 às 16h00 -


O Etnógrafo e o Jornalista: O Olhar e a Escuta como Ferramentas de Trabalho
Karina Galli Fraga da Silva(UFMT)

Credibilidade e capital social no jornalismo: aproximações entre conceitos de Tobias Peucer e Pierre Bourdieu
Cândida de Oliveira(UFSC)

O discurso jornalístico como dispositivo de subjetivação
Carolina Pompeo Grando(UFSC)

A criança leitora imaginada por Zero Hora
Thais Helena Furtado(UFRGS)

A Contribuição de Metodologias de Construção do Discurso Histórico à Prática do Jornalismo
ANDRÉA MOREIRA GONÇALVES DE ALBUQUERQUE(Ufal)



- GP - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
O jornalismo investigativo e a construção das fontes
Coordenador(a): Monica Martinez (FIAMFAAM)
Dia 5/9 das 16h00 às 18h00 -


Jornalismo sem Investigação: flertes com o “Homem Cordial”
Adriana Maria Andrade de Santana(UFPE)

As Fontes de Informação e a Construção Social da Realidade: Aproximando Conceitos
Marina Chiari Lima Mendes(UNAMA)

Jornalismo local: a ética da convicção e a ética da responsabilidade na proximidade com as fontes
Carla Algeri(UFSC)

Vazamentos e vulnerabilidades: o Caso Wikileaks à luz do direito à informação
Paula Casari Cundari(Feevale)

Jornalismo investigativo: desafios, impasses e oportunidades na era digital
Samuel Pantoja Lima(UFSC)



- GP - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
Jornalismo digital e os estudos culturais na Teoria do Jornalismo
Coordenador(a): Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio)
Dia 5/9 das 16h00 às 18h00 -


Jornalismo Cultural e o Fandom
Cristiane Henriques Costa(UFRJ), Diana Damasceno(UFRJ)

O Infotenimento no Webjornalismo: uma Reinterpretação dos Critérios de Noticiabilidade
Carlysângela Silva Falcão(UFPE)

Jornalismo e conhecimento sob a perspectiva da participação de leitores online
Vanessa Hauser(UFSC)

Jornalismo amador: proposta para definir as práticas jornalísticas exercidas pelo público em ambientes interativos
Leonel Azevedo de Aguiar(PUC-Rio), Adriana Barsotti(PUC-Rio)

ffwMag! em: uma Articulação Teórica em Torno das Materialidades da Comunicação
Nayana Gurgel de Moura(UFRN)



6 de setembro
- IJ - Sessão de apresentação de trabalhos (EDITAR)
Jornalismo e conhecimento
Coordenador(a): Monica Martinez (FIAMFAAM)
Dia 6/9 das 10h00 às 12h00 -


O Jornal como notícia: vozes da comunidade interpretativa
Bruno Souza Leal(UFMG)

Laboratório: espaço de pesquisa empírica em jornalismo
Márcia Marques(UnB)

Narrativa Jornalística e Memória: A cobertura Noticiosa dos 30 Anos de Aparição Pública da Aids
Carlos Alberto de Carvalho(UFMG)

A Opinião Pública e o Assassinato da Empresária Marcela Montenegro
Luana Amorim Gomes(UFC)

Dinâmica do Texto Jornalístico: Montagem das Imagens Fotojornalísticas e Discursos de Poder
Laís Santoyo Lopes(PUC-SP)

“A Alegoria da Caverna” de Platão a Comunicação Social Contemporânea.
SHIRLEY ARAUJO DE OLIVEIRA(UNEF)



quinta-feira, 4 de agosto de 2011

As frases não ditas são eternas - parte II

Crônica não é conto de fadas. Você jamais encontra o sapato, Berenice. No máximo, um paletó por cima dos ombros. O tintureiro no dia seguinte. Um belo café no sábado de manhã.

Quem precisa de fadas?

O paletó é muito melhor do que o sapato. Pense bem! Pés descalços ou o frio nas costas? Capa e espada ou terno e gravata? Cara de anjo ou barba de homem? Essa história de príncipe encantado foi criada pra confundir os hormônios femininos. Basta lembrar de um simples detalhe: o sujeito veste um collant apertado com shortinho balonê. Entendeu? Shortinho balonê, minha querida! Que é isso? Onde está a credibilidade?

Você desfilaria pela Avenida Rio Branco com alguém assim? Sairia pra jantar no Garcia & Rodrigues? Tomaria um chope no Cervantes? E a galera da Merza, o que diria? Tudo bem, você não vai mais a São Paulo. Pânico de avião, preguiça da rodovia. Então, imagine. Apenas imagine aquela mesa lateral, perto do balcão, cheia de marias-teclado falando do shortinho balonê. Sim, elas gostam. É verdade. Até já babaram naquele menino de um metro e sessenta. (Ele é carioca, Berenice.) Eu sei, não importa. (Tem barba.) Claro, é pra compensar. A altura e o shortinho. E, de vez em quando, o casaco estiloso, comprado no Shopping Leblon. Volte para o paletó, minha querida. Esqueça o resto. Principalmente os sapatos.

Berenice acordou cedo. O sonho ainda estava quente, real. Shortinho, sapato, paletó, príncipe. Uma névoa de pensamentos sem sentido. O enredo surrealista. Um filme de David Lynch. Se tivesse lido Freud, talvez pudesse interpretar aquelas ideias fora de lugar. Lembraria do deslocamento, um conceito vago, pilar do pensamento freudiano sobre os sonhos. A via régia para o inconsciente. A forma mais eficaz de acesso a seus recalques, suas angústias. Meio pretensioso, né? Ou não.

- Que pena, não sou psicanalista – pensou, em voz alta, os olhos ainda se acostumando com a luz que entrava pela janela.

- Todos somos. Os jornalistas mais, os psicólogos, menos – respondeu Pastoriza, em pé, na frente da cama, segurando a bandeja com o café da manhã.

Por algum motivo desconhecido (ou recalcado), Berenice vestia apenas uma camisa listrada de manga comprida, sem os três botões de cima, que pareciam ter sido arrancados com violência, deixando fiapos de linha em seu lugar. Ela se acomodou no meio da cama, sentada, pernas cruzadas em flor de lótus, as pontas da camisa cobrindo a parte interna das coxas. Na bandeja, havia apenas um café preto, duas torradas com as bordas enegrecidas, manteiga, geleia de uva e um suco de caixinha, daqueles com mistura de sabores.

- Minha torradeira é velha. A casca sempre fica assim: completamente queimada. Vou cortar pra você.

- Não precisa. Tá ótimo. Adoro pão bem passado – ela disse, ajeitando as mangas.

- Pelo menos a geleia é muito boa. Francesa. Foi presente de uma psicanalista de Bordeaux. Ela e o marido têm um vinhedo e também produzem essa geleia maravilhosa.

- Geleia e psicanálise. Boa redundância. Eu me interesso pelas duas.

- Tá querendo mudar de profissão? – perguntou Pastoriza.

- Não. Só tentava entender o sonho que tive. Queria saber o que vai me acontecer.

- Nesse caso, recomendo uma cartomante. A psicanálise não vai te ajudar muito.

- Será? A parte do café, por exemplo... Eu previ. Tava no sonho.

- Essa é fácil. São restos diurnos. Capítulo sete da Interpretação dos Sonhos. Posso dizer que você projetou o dia de hoje com base na noite de ontem.

Papinho brabo. A história da geleia e da torradeira estava muito melhor. Berenice começava a achar que a conversa freudiana infanto-juvenil acabaria com as boas lembranças da noite anterior. Talvez o sujeito fosse mesmo um Don Juan genérico, o que nem seria problema. Tratá-la como ignorante é que enfraquecia o cara. Ou, pelo menos, a imagem que tinha do cara. Onde estava o cronista do jornal? Cadê o autor daquelas metáforas precisas, das metonímias poéticas, das frases simples que expressavam a laboriosa tradução da complexidade. Sem didatismo, sem arrogância, sem subestimar o leitor. Onde estava? Onde? Onde?

Meu café da manhã por uma crônica de Antonio Pastoriza!!!

A geleia francesa era muito boa mesmo. Poderia até compensar a decepção. Um chocolate belga e a serotonina atingiria níveis sexuais. Berenice acostumara-se às compensações. Colégio católico do interior com púberes em fraldas, faculdade pública com garotos mimados da zona sul, redação de jornal com velhos barrigudos que agiam como púberes em fraldas e/ou garotos mimados da zona sul. O chocolate ganhava de goleada. Belga, senegalês, australiano. Qualquer um. Na média, um chocolate valia mais do que mil palavras com testosterona.

- Taí um clichê verdadeiro – ela disse, na entropia do raciocínio.
- Qual? A interpretação dos sonhos ou o café na cama? – perguntou Pastoriza.
- Eu estava pensando em chocolate.
- Claro. Foi bom pra mim também.

A risada cúmplice confirmou os clichês e as repetições.

Pastoriza abriu uma caixa de Sonhos de Valsa. Nova confirmação.
Então, o cara tinha bom humor! Quantos pontos você ganhou com aquela resposta, Antonio!? Foi-se o psicanalista arrogante e voltou o cronista elegante. Até dessa rima pobre nós fizemos piada. E do sonho. E da cartomante. E da psicanálise. E do jornalismo. E da torrada queimada. E do papinho brabo. E da geleia francesa. E da sua colega de Bordeaux. E da minha paixão, que estava começando.

Ali, você aprendeu a receita. Nos anos seguintes, bastou manter a sagacidade. Você relevou meus gritos, minhas crises, minhas inseguranças. Sempre com uma palavra espirituosa, um comentário jocoso que me desarmava. Não precisou mostrar erudição ou aplicar suas técnicas do divã. Ou será que aplicou?

Não importa. Cada dia mais apaixonada, eu me recusei a ver defeitos. Só queria enxergar o ideal de homem que você encarnava. Culto, moderno, másculo, charmoso e, acima de tudo, bem humorado. Ele não pode ser tão perfeito, Berenice – diziam minhas amigas casadas, há muito mais tempo no mercado. Vocês não o conhecem como eu – respondia, acendendo a vela pro teu altar.

Acendi velas pro teu altar todos os dias.

Com você, nunca houve uma frase feita, uma repetição, uma rotina. Exceto as que faziam parte de nossos clichês, esses sempre cuidadosamente repetidos, até a exaustão, que era a nossa forma de não ser repetitivo, não ser rotineiro, não cair no sofá com o controle remoto nas mãos.

Você tinha o insensato dom da originalidade, Antonio. Você me surpreendia. Não mandava rosas, preferia margaridas, lírios e outras flores de nomes desconhecidos. Não escrevia cartas de amor, desenhava. Não comprava joias, esculpia meus anéis.
E quando eu disse que te amava, você não respondeu com o fatídico eu também.

Ponto pra você, Antonio. Arrependimento pra mim.

O que posso dizer? Há momentos (quase todos) em que prefiro a redundância. Por que você nunca disse que ...? Por quê? Por que você não disse, Antonio?

Por que não disse?