Quem sou eu

Minha foto
Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A garrafa - conto de Ana Cristina Melo publicado na Revista ficções 19

Aquela teria sido uma manhã como qualquer outra, se não fosse a primeira depois de Jussara me abandonar, de eu ter perdido meu emprego e de ter descoberto que eu estava preso dentro de uma garrafa. Não era somente eu que estava preso ali, mas todo o meu quarto. Abrindo a porta ou a janela, deparava-me com o vidro grosso, fumê, que me impedia não só o ir-e-vir, como me restringia a visão completa do mundo. Lamentei meu quarto ser de fundos, pois assim nem podia gritar a quem passasse na rua. Gritar poderia, e o fiz, mas me pareceu que as palavras batiam no vidro espesso e retornavam ecoando para dentro de mim mesmo. O teto não mais existia. Olhava para cima e encontrava o vidro se prolongando até se afunilar no gargalo, e bem lá no topo, uma rolha que o fechava hermeticamente. Não havia dúvidas, estava preso dentro de uma garrafa. Perplexo, sentei na cama. Olhei em torno. Nem meu quarto era o mesmo. Muitos dos meus móveis haviam sumido. A pequena estante com meus livros, o computador, o armário. Onde estariam minhas roupas? Mas se bem que pensei: o que faria eu com roupas, se nem podia deixar aquele lugar. Me sobrara a cama, uma mesinha de cabeceira e um pequeno sofá, colado à janela. Tentei lembrar do momento em que me deitei, mas não consegui. A última lembrança que tinha era da vontade incontrolável que tive de dar fim ao sofrimento. Dos móveis da sala que arrebentei, tentando expulsar aquele berro preso no peito. De alguém tocando meu ombro... e de mais não me lembro. Vasculhei as gavetas na busca de uma chave, algum objeto cortante que pudesse arrebentar aquele vidro, mas estavam vazias. O sofá pesava muito e não conseguia erguê-lo a fim de jogá-lo contra a porta. Pouco adiantaria arremessá-lo contra a janela, que fiz questão de cercar com grades, trazendo para aquela cidade pequena o hábito de clausura impregnado em mim, fruto das mazelas da cidade em que nasci. O quarto também não tinha mais a cor salmão que havia sido escolhida por Jussara. Estava todo branco. As paredes, a cama, o colchão, os lençóis, a fronha, a mesinha, o interior das gavetas, o sofá... aquele excesso de claridade estava me sufocando, corri e grudei o rosto no vidro fumê, necessitando de alguma escuridão, para poder respirar, me salvar... * Tudo começou quando, diante de uma crise de pânico, deixei o desvario do emprego no centro financeiro do país e me mudei para o interior. Não uma cidade completamente perdida no mapa, daquelas em que todos se conhecem, pois convergem a um mesmo ponto ─ a praça central, com o seu coreto. Não, uma cidade com carros, com pessoas, com ruas, com gente que se conhece e outras tantas que não, com novos ares, novas perspectivas. Ali, por sorte, consegui um emprego de vendedor numa concessionária de veículos. Logo me entrosei com os colegas e saíamos pelas noites, despejando o tempo livre e a cerveja nos bares que ficavam abertos até tarde. Foi num desses lugares que conheci Jussara. Ela chegou no banco de carona de um conversível, discutia calorosamente com o homem ao volante. Até que ele a esbofeteou. Não podia assistir, impassível, àquela cena. Fui tomar satisfações, apesar dos esforços de meus companheiros de que não valia a pena, de que ela não valia a pena. O cara, muitas mãos maiores do que eu, saiu do carro e mandou que eu não me metesse. Mas o sangue italiano, de muitas gerações atrás, não se conteve. Um soco foi suficiente para me deixar no chão. Não mais ele fez. Entrou no carro, e ouvi o cantar de pneus que o levou para longe. Eu é que deveria tê-la protegido e quando vi, ela é quem cuidava de meu nariz arrebentado. Meus amigos tentaram me resgatar do chão, mas preferi ficar nos braços daquela morena de olhos claros. Me deixei carregar para casa, onde, mal passando da porta, terminamos a noite em minha cama. No dia seguinte eu era o mais feliz dos homens. Meus amigos alertavam-me que os poucos que a conheciam não deixavam que a fama de Jussara tivesse boa cotação. Achei que tinham inveja de mim, pois, ultimamente, sobrava para eles apenas algumas barangas que passavam à frente da loja, deixando cair lenços, carteiras e os decotes, ou as mulheres da Rua das Passadeiras, que aliviavam as aflições masculinas em troca das comissões que eles ganhavam na semana. Hoje vejo que me precipitei, mas não correram quinze dias, quando Jussara se mudou lá para casa, com mala e lingeries. Então, logo os problemas começaram. Diariamente, ao chegar em casa, não a encontrava. Ela voltava tarde da noite e quando eu ameaçava reclamar, alegava que eu a deixava sozinha o dia todo, que não lhe dava dinheiro, que lhe negava atenção. Tentava me defender, dizendo que pouco ganhava na loja, que precisava trabalhar para conseguir esse pouco e que poderíamos sair à noite – se eu a encontrasse em casa. Aquelas discussões eram vãs. E quando nos cansávamos, terminávamos na cama, e tudo mais era esquecido. Muitas vezes, eram madrugadas inteiras em que me via tentando lhe provar que ela era importante para mim. Madrugadas que me deixavam arrasado pela manhã e sem forças de convencê-la de que eu precisava ir trabalhar. Logo começaram os atrasos; muitas vezes, as faltas. Eu, que era um funcionário exemplar, comecei a ser advertido. Já não conversava com meus amigos, pois não aceitava que eles criticassem minha mulher. Já não saía aos bares, e quando o fazia, acompanhado de Jussara, podia sentir os cochichos às nossas costas. Sentindo-me um trapo que tentava se manter em pé, não tinha forças para convencer nenhum cliente. As vendas rarearam e com elas, as comissões. Claro que o dinheiro entregue à Jussara também rareou, o que não podia ser dito das brigas. Quanto menos dinheiro, mais discutíamos. Porém, em algumas vezes, Jussara não mais voltava tarde, simplesmente não voltava. Então, minhas madrugadas não eram na cama com ela, mas vasculhando a cidade à sua procura, até o amanhecer. Sentia-me satisfeito nas noites em que ela retornava e não mais perguntava onde estivera, querendo apenas senti-la entre os meus lençóis. Já não era ela que me pedia provas de amor, era eu que precisava dessas provas. Não sei quem causou o quê: se Jussara me fez perder o emprego ou se perdi Jussara porque fui posto na rua, mas tudo aconteceu no mesmo dia. Uma tarde fui chamado à sala de meu gerente e ele me comunicou que eu estava despedido. Minhas contas já estavam feitas e o pouco que eu tinha a receber, descontadas as faltas, estava num envelope. Antes de chegar em casa, parei num bar, e acho que deixei boa parte daquele dinheiro em incontáveis copos de cerveja. Entrei em casa já com a lua alta. Era uma das noites na qual eu devia ter sido premiado, com a presença de Jussara. Talvez por ser o dia do pagamento, ela me esperava com uma lingerie especial, pronta para me alegrar a madrugada. Mas quando viu meu estado, reclamou, talvez com razão. Brigamos feio. Eu não estava querendo conversa e muito menos transar. Mas Jussara não cedia, nem no desejo, nem nas cobranças. Queria sexo e o resto do dinheiro. Tanto ela me perturbou que, quando percebi, encerrava nosso ciclo da mesma forma que começou: dei-lhe um tapa no rosto, selando a violência do início de nossa história. Ela me devolveu o gesto com um empurrão e bati com a cabeça na estante. Tonteei e não conseguia me levantar, para impedi-la de passar por mim com a mala e com o envelope. Gritei seu nome e depois de muito tempo, quando consegui me colocar de pé, já era tarde. Sabia que ela não voltaria. Tive um acesso de fúria, passei pela cozinha, pela sala, quebrando os móveis e as louças. Acho que só não tive coragem de ir até o quarto. Ali era o nosso refúgio, o meu altar de sacrifícios. Em meio a essa fúria, que misturava meu sangue, meu suor e minha vida, senti que alguém entrava em casa e me tocava no ombro. Depois, nada mais me lembro.
Deitado na cama, encarando sobre a minha cabeça aquela rolha, lembrei do amigo João, o primeiro com quem me entendi na loja. Em todos esses meses, ele foi o único que não me virou as costas. Apenas deixou de me dizer que Jussara não prestava, mas continuava a me sussurrar que contasse com ele, quando eu viesse a precisar. E agora precisava, mas não tinha como lhe pedir ajuda. Não havia telefones no quarto, eu estava apenas com um pijama branco, sem celular, sem nada. Podia jurar que a mão que me tocara o ombro no dia anterior havia sido a dele. Provável. Ao sair da loja, ele se mostrara preocupado com o meu futuro. Fiquei horas encarando a rolha, imaginando se eu teria alguma forma de chegar até ela, até que vi uma agulha transpassá-la, e do pequeno furo cair um líquido viscoso, transparente, que ia pingando, gota a gota, no centro do quarto. Levantei-me, agitado, e gritei, pois se algo era introduzido naquela garrafa, era porque alguém estava do lado de fora dela. Gritei, gritei, esmurrei o vidro da janela, o vidro da porta, mas não percebia nenhum movimento. O fumê parecia escurecer ainda mais, enquanto o quarto parecia ficar cada vez mais branco. Esmurrei as paredes, desfiz o colchão, estraçalhei o travesseiro; lembrei de pegar as gavetas e as usei para esmurrar a porta, mas nenhum risco elas conseguiram fazer, e se desfizeram em minhas mãos, como se fossem feitas de papel. Os pingos que mal manchavam o chão começaram a criar uma poça, e eu fui me sentindo mais e mais sufocado, parecia que o ar ali rareava, e as paredes brancas, e a poça se tornando um pequeno rio, e as paredes começaram a se fechar, reduzindo o meu espaço, e as gotas pingando da agulha, e o chão se enchendo de líquido, subindo pelas minhas pernas, e as paredes diminuindo, e o líquido já na minha garganta, e eu submergindo...
Abri os olhos e não pude me mexer. As paredes ainda eram brancas. Mas podia vislumbrar um raio de sol que vinha da janela e iluminava meu amigo João, parado ao lado da minha cama, junto de um enfermeiro.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Carta Aberta para Caetano - Crônica publicada no Jornal do Brasil

Querido Caetano, todo mundo sabe que você não gosta do cara, mas sua mãe gosta. Só que há um detalhe importante esquecido nessa inversão da lógica do Chico: aqueles que a utilizam para defender o presidente, na verdade o estão atacando. Não entendeu? Tudo bem. Às vezes, eu também não entendo o que você diz, mas, mesmo assim, insisto nas entrelinhas. Então, permita que eu explique. Antes, porém, devo me apresentar.

Sou professor da Universidade Federal Fluminense, no Rio, onde leciono jornalismo e oficinas de literatura. É uma escola pública, daquelas que têm paredes descascadas, cadeiras quebradas e lousas destruídas pelo tempo. Há dois anos, também trabalhava como comentarista político na emissora estatal, a TV Brasil, mas fui censurado por criticar o governo e acabei saindo do programa que fazia.

Assim como você, também votei chorando no operário do ABC. Em 1989, carregava bandeiras do partido e enchia meu carro de adesivos, além de entoar aquele jingle de campanha gravado por artistas e intelectuais. Era o homem lá e eu aqui, emocionado, estudando Marx e Marcuse, e me preparando para, um dia, também influir na política.

Cômico e trágico, né não, Caê? Doce ilusão de um doce bárbaro que se achava a vanguarda do universo e ainda virou professor porque queria mudar o país e o mundo. Fala sério, meu rei: vinte anos depois, você ainda acha que os intelectuais e artistas influenciam na eleição? Temos alguma missão a cumprir nesse mundo de maletas e cuecas? Somos referência para os que votam?

Então por que todos ficaram ruborizados quando o Aderbal chamou a moça de peruca de futura presidente? O sujeito apenas declarou o voto, nada mais. Qual é o problema? Não haverá nenhum séquito de eleitores se guiando pela opinião divina de um dramaturgo. Aliás, quem montou esse drama não entende nada de teatro.

Dramáticos mesmo somos nós, artistas, intelectuais, escritores. Eu, por exemplo, morri de ciúmes quando você elogiou o livro do Agualusa sobre o dia em que Zumbi tomou o Rio. Como eu queria que você elogiasse o meu romance, Caetano! Aquele sobre a decadência do ensino universitário. Só assim me transformaria em um best-seller e poderia mudar os rumos da educação no país.

Mas você não leu. E a educação continua essa vergonha. Culpa sua, única e exclusivamente sua. Milhões de jovens semialfabetizados continuam vagando por universidades de pífia qualidade por causa de sua irresponsabilidade. Não é de estranhar que o cara lá de Brasília faça pouco caso daqueles que têm diploma. Muito menos que continue a errar conjugações e regências. A culpa é sua, Caetano. Foi você que não leu o livro.

E ainda querem me convencer que somos formadores de opinião. Faça-me rir! Não servimos nem para fiscais de urna. Cultura não rende voto, meu querido. Ninguém quer saber o que pensamos ou discutimos. Há coisas mais importantes: o saco de farinha doado pelo vereador, a dentadura fornecida pelo centro odontológico do deputado, a bolsa mensal para a família depositada no banco do governo. Cultura pra quê?

Nestas terras, meu texto não vale meio panettone. Troco meu livro pelo seu leãozinho criado à base de acarajé e vatapá. O que acha? Os direitos autorais cabem no dedinho da meia do secretário, mas o orgulho é enorme. Você não vai se arrepender! Eu garanto!

Os intelectuais “somos” chatos, herméticos e bestas. O que me faz lembrar uma certa corrente da contemporânea literatura brasileira. Mas deixa isso pra lá. Nosso assunto aqui é outro.

Já ia me esquecendo, Caetano: tenho que explicar a frase do primeiro parágrafo. Qual era mesmo? Sim, a relação entre a inversão da lógica do Chico e o apoio ao presidente com base nas perspectivas eleitorais para o ano que vem. Hummmm! Esse problema é complexo. Muito Complexo.

Sabe o que é, nego? Tá dando uma preguiça! Posso deixar pra próxima? Tudo que eu disse aqui não passa de um arremedo insano de um velho professor metido a romancista. Meu texto, minhas ideias e minha vaidade são apenas ficcionais.

Dê um cheiro em Dona Canô e um abraço nas crianças.
Sou seu fã.
Ou não.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Entrevista com Edney Silvestre


Se eu fechar os olhos agora, romance de estréia de nosso amigo Edney Silvestre, alia pesquisa histórica, sensibilidade poética e um enredo ágil, envolvente. "Viva a narrativa", foi minha primeira reação ao terminar o livro, cujo final me emocionou radicalmente. Edney se preocupa em contar uma boa história, utiliza plots, prende o leitor. Viva ele!
A entrevista abaixo foi feita por mim no ano passado para a revista Contracampo. Acho que vale a pena repeti-la.
“Os escritores sentem a obrigação de serem experimentais. Isso é muito chato. Só os acadêmicos têm paciência de ler. O sujeito fica preocupado com a linguagem e esquece de contar uma história.”
“Aqui no programa não há nenhum preconceito. Acho que os escritores devem batalhar para ter a obra divulgada.”

O menino tímido de Valença, interior do Rio, ainda habita o repórter da Rede Globo de Televisão. As frases docemente articuladas, a voz grave e o tom veludo das pausas tranqüilizam o interlocutor. Transmitem confiança. Dão melodia aos diálogos. A timidez de Edney Silvestre é musical e sedutora. Uma companheira onipresente, que fica ainda mais perceptível durante o relato das lembranças de infância. Quando fala de si, a respiração torna-se mais pausada, as palavras parecem franciscanas, as histórias deslizam cadenciadas pelo timbre incomum do narrador.
Sua primeira memória literária remete aos quatro anos de idade, quando sofria de uma anemia profunda. “Eu era uma criança doente e não podia brincar. Então, me deram uns livros infantis. Não sei quais. Mas eu lembro de minha primeira professora primária lendo poemas de Fagundes Varela em sala de aula. Depois, quando fui alfabetizado regularmente, passei a freqüentar a biblioteca pública de Valença, onde as leituras eram livres, desde Tarzan até a biografia de Napoleão Bonaparte”
Aos doze anos, Edney conheceu Charles Dickens e Thomas Mann. Aos quatorze, leu a obra completa de Jean Paul Sartre e, em seguida, enveredou pela literatura brasileira através de Fernando Sabino. O jornalismo aconteceu por acaso. Não foi sua primeira escolha profissional. “Eu entrei para a Faculdade de História, mas não completei o curso. Fiz um curta-metragem que ganhou alguns prêmios e me convidaram para escrever uma crônica em O Jornal, onde começou minha carreira jornalística.”
Nessa época, as leituras de Dickens eram feitas no original - assim como os filmes americanos, vistos sem legendas no cinema de Valença - e ele foi convidado para redigir notícias em inglês para a Manchete Press, a agência de notícias do grupo Bloch. Durante alguns anos, trabalhou na empresa comandada pelo folclórico Adolpho Bloch, onde também escreveu reportagens para a revista Manchete e para a Fatos e Fotos, cujo editor-chefe, transferido para a revista O Cruzeiro, o levou para um novo emprego.
Mas a carreira jornalística foi interrompida prematuramente. Edney se demitiu de O Jornal, após ser censurado por fazer uma reportagem sobre a falência de um fabricante de charutos, o que acabou inviabilizando seus outros empregos. “A partir dali, ficou difícil conseguir trabalho e eu mudei de ramo. Como achava que sabia escrever e sabia fazer cinema, optei pela publicidade.”
Ao abrir as páginas amarelas em busca do novo emprego, conseguiu uma vaga na agência DPZ, a última em que procurou. Anos mais tarde, foi contratado pela produtora KSK Visuals para trabalhar em Nova Iorque e se mudou para os Estados Unidos. Só em 1992 voltou ao jornalismo, como correspondente do jornal O Globo na Big Apple. E, em 1996, criou o programa Milênio, ao lado do jornalista Paulo Francis, para a recém-lançada Globo News.
Há seis anos no comando do Programa Espaço Aberto Literatura, Edney conduz suas entrevistas com a mesma calma com que conversa em uma mesa de bar, onde ocorreu nosso encontro. Ele acabara de participar de um programa de TV produzido por estudantes da Universidade Gama Filho, cuja locação, em pleno shopping Downtown, na Barra da Tijuca, parecia ser o único detalhe que o inquietava.
- Preciso voltar para o Rio antes das quatro. – diz, olhando para o meu relógio, que marca duas e trinta e cinco.
- Aqui em São Paulo as distâncias são maiores. – respondo, entrando no comentário crítico e bem humorado sobre o bairro emergente da cidade.
Peço uma água mineral e um suco de laranja. Nossa conversa é apenas um complemento, já que a entrevista fora feita na semana anterior, por telefone. Mas a voz pausada continua a mesma, apesar da preocupação com a iminente “viagem interestadual”.

Contracampo: Sua estréia na televisão foi ao lado de Paulo Francis, outro grande conhecedor de literatura. O Milênio deveria ser um programa sobre livros?
Edney Silvestre: Não. O programa deveria falar de literatura, de arte, de música, etc. Eu fui para a Globo News em 1996 porque o Paulo Francis me conhecia através de uma entrevista que eu havia feito com o Norman Mailler. Até o entrevistado ficou impressionado porque eu lembrava de coisas que ele mesmo havia esquecido. Aliás, esse é o truque. Você estuda a vida do sujeito e vai para entrevista sabendo mais sobre ele do que o próprio. Nessa época, o Francis tinha uma coluna no Globo, o Diário da Corte, e me elogiou. Então, veio o convite para fazer televisão. E surgiu o Milênio.

Contracampo: Qual era a idéia original do programa?
Edney: Eu queria fazer um programa que eu não via na televisão. A literatura veio muito em função disso. Nós colocávamos o Norman Mailler e outros personagens, não necessariamente escritores. Então, a proposta era inovar, trazer discussões diferentes e relevantes. Depois, o Paulo Francis morreu e entrou o Lucas Mendes. Em seguida, o programa tomou outros rumos e eu voltei para o Brasil.

Contracampo: E aí você foi para o Espaço Aberto literatura?
Edney: Sim. Quando eu voltei para o Brasil, a Alice Maria (diretora geral da Globo News) me convidou para substituir o Pedro Bial. Mas, antes, teve o Zeca Camargo e outros.

Contracampo: Como você lida com a responsabilidade de comandar um programa sobre literatura em um país que lê tão pouco? Como escolher os entrevistados? Quais são os critérios do programa?
Edney: Isso é realmente muito difícil. Só uma editora lança sessenta livros por mês no mercado. E eu só tenho espaço para entrevistar quatro autores, mensalmente, entre todos que são lançados por todas as editoras. Eu tento variar entre escritores iniciantes e consagrados, mas é difícil definir critérios absolutos para isso.

Contracampo: Há uma intertextualidade nas tuas escolhas. É preciso saber antes sobre os livros. É preciso ler sobre eles em algum lugar. Que referências são essas?
Edney: Nós recebemos livros de vários lugares. É claro que as editoras mandam, as assessorias de imprensa também. Mas nós estamos sempre ligados. Não só nas mídias tradicionais, mas também na internet. Eu leio. O Paulo Marcelo, que dirige o programa, também lê. O Claufe Rodrigues, produtor e editor, lê. Outros editores e colegas lêem. E aí vamos escolhendo. Todos adoram descobrir pessoas. Sempre naquele pêndulo entre novatos e antigos.

Contracampo: Que autores novos você destaca?
Edney: Por exemplo, a Maria Helena Maciel, que é uma professora de literatura mineira, autora de O livro dos nomes. Ou a Tatiana Salem Levy, aqui do Rio, que escreveu A Chave da Casa. E há também um cara de Pernambuco, o Homero Fonseca, que escreveu um livro chamado Roliúde. Todos eles estiveram no programa. São pessoas que o público não conhece e a gente tenta revelar.

Contracampo: Qual é a repercussão quando você entrevista um autor novato? Vocês têm instrumentos para medir isso?
Edney: Sim. Muitas vezes os próprios autores nos falam da repercussão. O Jair Ferreira dos Santos, por exemplo, que escreveu o livro de contos CiberSenzala, aumentou muito a sua venda. E eu descobri o livro por acaso. Depois da entrevista, ele já chegou até a segunda edição.

Contracampo: Então, sem a mídia, a literatura fica inviabilizada?
Edney: Eu acho que sim. E o motivo é simples: como você vai tomar conhecimento de um livro sem a mídia? É impossível.

Contracampo: Mas os escritores têm um certo pudor para fazer divulgação. Parece que há um preconceito da crítica e da imprensa quando eles se engajam na divulgação da própria obra.
Edney: Aqui não há nenhum preconceito. Acho que os escritores devem batalhar para ter a obra divulgada. E as editoras devem investir mais nisso também. Há livrarias que vendem espaço nas gôndolas. Mas o que acontece com os autores que não têm divulgação? Vão para o fundo das prateleiras.

Contracampo: Você são pautados pela academia? Como é a relação com os críticos universitários?
Edney: Ainda há uma visão elitista da academia sobre o papel da literatura. É um ato narcísico, tanto dos autores, que escrevem apenas para a crítica acadêmica, quanto dos próprios críticos, que ficam naquela masturbação mental de fazer experimentos. Paradoxalmente, isso é uma velhice, uma coisa antiga, não tem nada de novo. Tudo que podia ser experimentado já foi. Ninguém quer mais contar histórias, só se preocupam com a linguagem.

Contracampo: O que a literatura perde com isso?
Edney: Perde leitores. Os escritores sentem a obrigação de serem experimentais. Isso é muito chato. Só os acadêmicos têm paciência de ler. O sujeito fica preocupado com a linguagem e esquece de contar uma história.

Contracampo: Isso pode acarretar injustiças? Novos autores podem ter a carreira encerrada por causa de uma crítica preconceituosa?
Edney: Sim. Isso é grave. Se o escritor não tiver o ego no lugar, desiste de escrever. A Tatiana Levy é um exemplo disso. O último livro dela foi muito mal criticado por uma acadêmica que disse que aquilo não passava das memórias de uma menina. Foi muito injusto. Ainda bem que ela não foi destruída por isso. E olha que foi a única resenha que saiu.

Contracampo: Há um abismo entre a academia e o leitor?
Edney: Sim. E isso afasta o público. Ficar sentado em um gabinete teorizando sobre literatura é muito fácil. O leitor quer uma história bem contada. Não quer exercícios narcísicos de linguagem, que só interessam aos acadêmicos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Crônica da semana passada no Jornal do Brasil

Armando Nejar e o apagão no Leblon

O convidado chegou cedo, não queria se atrasar. Era um encontro importante, daqueles que só acontecem uma vez na vida. Estava prestes a conhecer o homem cujo apelido sintetizava sua importância no cenário mundial: o cara. E ele, o cara, convidara-o com pompas e honrarias, demonstrando um respeito inaudito para os padrões com que era recebido em outros lugares. Daí a ansiedade com o horário.

Mas o cara estava atrasado. Dez, vinte, quarenta, cinquenta minutos, e nada. Nem sinal do anfitrião. Enquanto isso, o convidado permanecia sentado na cadeira modernista que não fora projetada para sua estatura, balançando as perninhas curtas de forma descontrolada, num claro sinal de impaciência. Os olhos fixos no teto, a cabeça pendendo para o lado, os dedos percorrendo a barba grisalha em movimentos circulares e brutos. De repente, uma irritação talibã tomou conta dele.

Ameaçou ir embora, pular da cadeira, explodir o lugar. Mas foi convencido a ficar pelo tradutor que o acompanhava, cujos conhecimentos da língua árabe eram tão rudimentares que acabaram se tornando eficientes. Na dúvida, o convidado preferiu acreditar que estava sendo elogiado e esperou mais um pouco.

Só depois de duas horas o cara chegou.
- Armando, meu querido! Seja bem-vindo! Você é muito mais bonito pessoalmente!
O anfitrião era simpático, não havia dúvidas. Tinha as bochechas rosadas, o sorriso farto e um jeito de falar que lembrava velhos camaradas siberianos, daqueles que bebem vodka no gargalo e trocam beijos estalados. Em poucos minutos, passou da irritação à idolatria. “Votaria nesse cara pra qualquer coisa”, pensou, enquanto recebia o abraço apertado que quase fraturou suas frágeis costelas.
- Vamos logo para a sala de jantar, Armando. Mandei preparar uma buchada de bode pra nós.
O convidado sentou-se à cabeceira da mesa, incentivado pelo cara, cuja esposa foi logo oferecendo um aperitivo tipicamente brasileiro .
- Posso servi-lo, senhor Nejar?
- Claro! E me chame de Armando, por favor.
Aproveitando a intimidade recém-adquirida, o anfitrião alertou:
- Cuidado com esse aperitivo, Armandinho. Ele sobe rápido.
- E eu não sei? Como você acha que eu estava quando neguei o holocausto? Não sou preconceituoso! Meu problema são esses viadinhos da imprensa.
- Aqui no Brasil é igual. Esse pessoal deturpa tudo. Acham que são fiscais, que podem nos investigar. Quem deu tanto poder a eles?
- Isso é culpa dos americanos. E ainda querem me impedir de construir a bomba! Como é que eu vou me defender desses terroristas? – perguntou Armando Nejar.
- Tem meu apoio irrestrito. – respondeu o anfitrião.
- Além disso, a energia nuclear é muito mais limpa. Estamos fazendo um bem para o mundo inteiro, não apenas para nós.
- Sempre digo isso. A ecologia é um problema de todos porque a terra é redonda. Se fosse quadrada, a fumaça ficava só com os gringos. Mas ninguém entende meu raciocínio, Armandinho. São uns ignorantes.
Lá pelo sétimo aperitivo, a buchada foi servida. O convidado admirou as vísceras costuradas naquela superfície incomum cuja textura lhe fazia lembrar uma comida típica de sua terra natal. Sentiu-se em casa e traçou dois pratos fundos, mas, antes de encher o terceiro prato, um pique de luz deixou a casa às escuras e a panela rolou pela mesa até cair no chão.
- Apagão! – berraram os vizinhos.
- É um atentado! Vão me matar! – gritou Armando.
O anfitrião se levantou tranquilamente, acendeu um par de velas, recolheu a comida do chão e serviu o convidado, que nem se importou com a sujeira, tamanho era o pavor que sentia.
- Calma, Armandinho! Fui eu que mandei apagar as luzes. Agora senta aí e vamos curtir nossa buchada à luz de velas.
- Mas por que você fez isso?
- Elementar, companheiro. No escuro, ninguém percebe que o Dirceu está voltando, o Sarney está recontratando, os gastos estão aumentando, o Renan está mandando e outras coisinhas mais. Além disso, aproveitei pra sacanear o Serra e o Aécio: mandei cortar a luz em São Paulo e em outros dez estados! – disse o anfitrião, antes de soltar uma gargalhada.
- Mas acabei de saber que em Minas não teve apagão. – disse a esposa, atenta à conversa do marido.
- E vocês acham que não pensei nisso? Pra sacanear o Aécio mandei cortar a luz do Leblon, querida. Nem aos restaurantes ele consegue ir.
Com inveja de tanta astúcia, Armando Nejar propôs um brinde:
- Ao meu mais novo e melhor amigo: você é o cara!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Crônica de um de meus alunos na Oficina da Estação das Letras

CRÔNICA PARA UM ENFERMO
Fiquei sabendo, pela caneta da nossa eficiente Roberta, que o “nosso querido mestre encontra-se acamado”. E que acamou-se sob o nome de Emanuel Villanova. Fiquei preocupado e disparei alguns telefonemas para tentar saber de detalhes. Queria saber se era grave, se estava sendo bem assistido. Teria família ou não teria família?. Teria amigos ao seu lado? Queria levar-lhe alguma ajuda, por modesta que fosse.
Eu já me encontrei em situação semelhante, isolado do meu mundo, esquecido em um hospital frio, cheirando a clorofórmio, sem uma palavra de consolo, sem alguém que me pudesse estender uma colher com uma sopinha quente, um biscoito mergulhado num café com leite. Sei como é duro sobreviver quando se está só e abandonado.

Não obtive resultado com os telefonemas. Fiquei absorto em meus pensamentos vendo a situação agravar-se e eu aqui sem fazer nada. Horrorizado. Finalmente pensei: mas se o Mestre teve forças para escolher um pseudônimo, o mal não deve ser assim tão grave! E passei a concentrar-me no verdadeiro problema. Como foi que a Roberta descobriu que Villanova era o mestre? Há quanto tempo já saberia? Quem mais saberia? Por que é que eu não sabia? Eu, que passei semanas debruçado sobre listas, tabelas e gráficos tentando descobrir o que era o que e quem era quem. Eu, que não prestava atenção nas aulas para observar sinais e gestos, analisar sorrisos, contrações de lábios, levantar de sobrancelhas, ligar o não sei quem com o não sei qual para descobrir qual seria o quem e quem seria o qual?

Vem a Roberta e , com um estalar de chicote, desvenda o mistério.
Mas vejo que fugi ao meu escopo. Minha intenção era levar conforto ao nosso querido mestre. Espero que ele já se encontre junto aos seus e que esteja junto a nós na próxima quinta feira. E com isto espero também ter atendido à sugestão da Roberta – que para mim é uma ordem- de preparar uma crônica inter-semanal e fazer com que o mestre se orgulhe da laboriosidade dos seus alunos.
Brava, Roberta!

Severino MandacaruPS: para manter os leitores informados, meus alunos escrevem sob pseudônimos. Daí essa obsessão por tentar descobrir quem é quem. Detalhe: Severino erra em suas conclusões. Att, Felipe Pena

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Crônica de hoje no Jornal do Brasil - O amor de Michel e Dilma

Era uma história de amor muito improvável. Tão improvável como só as verdadeiras histórias são. Um amor de claustro, amor furtivo, amor nas entrelinhas. Um amor construído na alcova, longe dos olhos de todos, para não chocar os incrédulos.

Dilma morava numa cidade periférica. Michel em uma grande metrópole. Ela tinha canelas finas e joelhos ralados pela vida no campo. Ele andava de terno, usava perfume caro e frequentava rodas literárias de qualidade duvidosa, embora se declarasse fã de Otto Lara Resende e outros mineiros ilustres, o que era uma afronta para os paulistas, seus fiéis correligionários.

Conheceram-se numa dessas redes sociais. Outra improbabilidade. Quantos amigos em comum são necessários para aproximar duas pessoas tão distantes? Mas o amor virtual é assim: surpreendente, arrebatador. Na rede, primeiro se conhece a letra para depois se conhecer a voz, como dizia o poeta gaúcho, um tal de Carpinejar.

“O amor virtual não é alienação. É envolvimento, amizade, compromisso. É pressentir o cheiro, formigar os ouvidos, seduzir devagar. Não há paixão que não ofereça mais do que foi pedido. Quem reclamava da ausência de preliminares deve comemorar o amor virtual. Nunca se teve tanta preliminar nas relações, rodeios, educação”, concluía o mesmo poeta.

E assim Dilma e Michel se apaixonaram e resolveram sair do virtual para o real. Ele se ofereceu em casamento no primeiro encontro. Porque o verdadeiro apaixonado não pede, se oferece. “Somos um casal perfeito”, ele disse. “Temos cumplicidade”, ela emendou.

Mas Dilma era comprometida, já tinha um pretendente, um bom partido. E que partido! Só não era maior que o partido de Michel, este também comprometido havia alguns anos. O que fazer? A intimidade permitiu críticas mútuas, conselhos, tentativas de solução.

- Dilma, minha querida. Esse teu partido tem estrela, é um sortudo. Mas não tem nada a ver contigo. Sempre achei que você deveria estar mais perto do sol.

- Era sob o sol que gostaria de estar, querido Michel. Mas o hábito me prende aqui. Pelo menos, ele não tem crises de ciúme como o teu partido. Não sei como ainda podes estar com alguém tão volúvel.

A essa altura, Dilma já ostentava as mudanças inerentes às mulheres que professam suas crenças e tentam ministrar suas vontades. As olheiras escondidas pela maquiagem francesa, as unhas pintadas de vermelho e um cabelo tão bonito que as invejosas juravam se tratar de uma peruca.

Michel também mudou. Emagreceu, tirou o terno e alugou uma cabana na serra para formalizar o pedido. Deitaram-se na rede estendida na varanda, depois de um banho demorado na piscina de água quente que ficava ao lado da sauna a vapor. Ele abriu o champagne. Ela estendeu as taças.

- Não precisamos de um bom partido. Precisamos um do outro, meu amor – disseram, ao mesmo tempo, como se fosse ensaiado.

E os próprios partidos se deram conta de que não tinham a menor importância diante daquela paixão. A eles restava apenas ceder o tempo para que os noivos pudessem chegar até o altar. Não que fossem esquecidos, pois ainda poderiam contar com a amizade sincera do casal, que seria generoso na hora de cortar o bolo da festa. Sem falar que o buquê teria endereço certo para que um deles pudesse se casar na oportunidade seguinte.

Durante a cerimônia, Dilma e Michel se ajoelharam diante do padre barbudo, que também era padrinho e tio da noiva, situação pouco comum nos casórios nacionais. Trocaram alianças depois de inúmeras viagens e aventuras pelo país e pelo mundo. E continuariam viajando após o casamento. Afinal, era pra isso que estavam juntos.

A cumplicidade os tornou ainda mais próximos. Uma volúpia incontida tomou conta deles assim que entraram na casa presenteada pelos padrinhos. Era a lascívia do poder, a libido da conquista mútua. Na alvorada, dedicavam-se a pequenos prazeres: morangos com chocolate, romané conti, brincadeiras infantis e longas conversas que entravam pela madrugada. Riam de tudo e de nada, como só os apaixonados fazem. Estavam juntos e se bastavam.

Se isso não é amor, o que mais pode ser?


· Felipe Pena é jornalista, escritor e professor da oficina de crônicas da Universidade Federal Fluminense.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Agenda das próximas palestras


PRÓXIMAS PALESTRAS :

Dia 19/10: Belo Horizonte


Dia 26/10: UCAM


Dia 29/10: Curitiba - Semana de Comunicação da PUC-PR


Dia 04/11: UERJ, com Joel Birman e Sophie Mellor (Sorbonne)


Dia 06/11: Belém - Feira PanAmazônica do livro


Dia 12/11: Macapá


.

sábado, 10 de outubro de 2009

Teoria do Jornalismo, por José marques de Melo

O livro do professor José Marques de Melo, decano do ensino de jornalismo no Brasil, reúne as principais reflexões do autor nos últimos trinta anos. Nas 278 páginas de Teoria do Jornalismo (identidades brasileiras), o leitor encontrará idéias publicadas na década de 1970, passando pela tese de livre docência defendida por Marques de Melo na ECA-USP em 1983 e desembocando em pesquisas recentes sobre o campo jornalístico.
As sistematizações propostas pelo professor contemplam todas as correntes de pensamento da área, enfatizando, como sugere o subtítulo, os autores brasileiros. Difícil encontrar um pensador nacional que não esteja citado na obra, cujo posfácio relaciona oito classificações distintas e articula as vertentes prática e acadêmica para indexar uma ampla bibliografia sobre o tema. Dessa forma, o livro oferece um imprescindível mapa dos estudos jornalísticos no país, divididos nas categorias exercício teórico, pragmatismo crítico, conhecimento empírico, conhecimento aplicado, estudos de caso, estudos comparados, reflexões coletivas e periódicos especializados.
Os quinze capítulos de Teoria do Jornalismo são um espelho dessa diversidade. Assim como é possível encontrar reflexões sobre a questão dos gêneros, também estão presentes estudos mais pontuais, como jornalismo feminino, educativo, comunitário e científico, só para citar alguns exemplos. José Marques não deixa, contudo, de enveredar pela questão ideológica, um de seus eixos mais aprofundados, propondo alternativas pluralistas e democráticas para o exercício profissional. Da mesma forma, destila com maestria sua visão sobre a natureza do jornalismo, refletindo sobre temas complexos, como a objetividade e a ética.
O livro é indicado não só para estudantes e pesquisadores, mas para todos aqueles que se interessam em compreender os fluxos e contrafluxos do bem mais valioso da sociedade pós-industrial, a informação, e, principalmente, seus mediadores, os jornalistas. Como expresso na quarta capa, Marques de Melo também pretende aproximar os futuros profissionais da realidade nacional, nutrindo a profissão de valores, utopias e conceitos que a renovem e a fortaleçam.
Nesse sentido, o autor parece de acordo com aqueles (entre os quais me incluo), que defendem que as várias tentativas de sistematizar a Teoria do Jornalismo já permitem a plena configuração da área como um campo específico do conhecimento humano. A disciplina deve ser incorporada aos currículos das escolas de jornalismo como um conjunto de metodologias e conceitos estudados a partir da investigação científica. Os diversos modelos de interpretação podem ser estruturados no âmbito de uma teoria unificadora, mesmo que sua fundamentação seja complexa e heterogênea.
Como já deixei registrado em artigos e em um livro homônimo, acredito que o teórico deve assumir a vocação para vidraça e atravessar a avenida, com a cara no vidro, esperando pelas pedras e pelas flores. Mais pedras do que flores. As pétalas da crítica só aparecem para o cânone estabelecido. A academia é um inverno perene. A pesquisa científica tem mil faces, é construída e reconstruída em teias de complexidade e suor.
A reflexão crítica sobre o jornalismo não é só pertinente, é imprescindível. Precisamos entender nossos problemas, buscar caminhos, encontrar soluções. Precisamos saber os motivos da crescente desconfiança do público. Precisamos enxergar nossos preconceitos e estereótipos. Precisamos reconhecer nossas próprias limitações como profissionais de imprensa, não só incentivando a pesquisa científica, mas participando dela. Ao defender uma teoria unificada como um campo de conhecimento específico, o objetivo é exatamente refutar a idéia de que os procedimentos jornalísticos constituem um saber autônomo e auto-suficiente. A efetivação de uma disciplina busca a interdisciplinaridade balizada. Ou seja, reconhece a multiplicidade de interpretações, mas aponta referências para as diversas análises.
A Teoria do Jornalismo deve assumir sua cientificidade, o que significa investigar evidências, produzir dados e construir enunciados passíveis de revisão e refutação. Para isso, no entanto, deve contar com a perene interconexão dos profissionais da redação e da academia. Não pode haver uma lacuna entre os jornalistas que se ocupam da produção e os que se encarregam da reflexão. A dicotomia é incoerente, não tem motivos para existir. Teoria e prática caminham juntas. O trabalho interligado é a única forma viável de discutir nossas questões.
Para fazer essa ponte, trabalhos como o de José Marques de Melo são vitais, imprescindíveis e perenes.

sábado, 26 de setembro de 2009

Próximas palestras





Após a deliciosa maratona do café literário, na Bienal do Livro, sigo com a agenda de palestras.

Além de São João del Rey, vou para Fortaleza, Belo Horizonte, Campinas, Macapá e, provavelmente, para a Feira Panamazônica do Livro, em Belém.

Em dezembro, Paris e Lisboa.

Há ainda as palestras no Rio de Janeiro (UCAM, sobre o diploma de jornalismo; e UERJ, sobre psicanálise) e a oficina de roteiros que ministrarei na Estação das letras.

Em breve, publico as datas de todos os eventos.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Artigo de sábado no Jornal do Brasil (foto da nossa mesa na Bienal - lotada)



O retorno à narrativa e o entretenimento como sedução pela palavra


A literatura brasileira contemporânea presta um desserviço à leitura. Os autores não estão preocupados com os leitores, mas apenas com a satisfação da vaidade intelectual. Escrevem para si mesmos e para um ínfimo público letrado, baseando as narrativas em jogos de linguagem que têm como único objetivo demonstrar uma suposta genialidade pessoal. Acreditam que são a reencarnação de James Joyce e fazem parte de uma estirpe iluminada. Por isso, consideram um desrespeito ao próprio currículo elaborar enredos ágeis, escritos com simplicidade e fluência. E depois reclamam que não são lidos. Não são lidos porque são chatos, herméticos e bestas.

Usei as palavras acima em uma entrevista concedida a um jornal carioca no ano passado, quando fui injusto e deselegante com diversos autores brasileiros de ficção que não se encaixam no perfil descrito. Minha generalização, no entanto, foi retórica, estratégica. Tinha como objetivo levantar a discussão sobre a formação de um público leitor no país e contestar o predomínio de uma parte da crítica acadêmica que ainda vê na anacrônica experimentação o valor supremo do texto literário.

Como disse naquela entrevista, são os doutores universitários (e me incluo na lista) que prejudicam a formação de um público leitor no país. A linguagem da academia é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais nossos brilhantes professores se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. E isso se reflete na literatura.

É fácil perceber que grande parte da nossa ficção é elitista e pretensiosa. Os autores (estou generalizando de propósito novamente) não se preocupam com o principal, que é contar uma história. Alguns livros nem história têm, limitando-se ao já mencionado experimentalismo linguístico.

Isso não significa, no entanto, que não sejam boa literatura. Pelo contrário, alguns são obras de arte de relevante valor. Só não são acessíveis. Eu, por exemplo, leio esses autores, mas tenho doutorado em Literatura. Aliás, isso é parte do problema: a academia e uma elite leitora convencionaram que só tem valor aquilo que está na elipse, que força o leitor a encontrar sentido onde poucos conseguem enxergar. Por essa premissa, o que é fácil de ler não tem valor literário. E quem discorda dela é taxado de superficial.

Voltamos, então, à injustiça que cometi. Quero citar alguns autores que defendem o retorno ao compromisso narrativo e não se encaixam no perfil de herméticos. Um deles, o jovem Rodrigo Lacerda, deixou isso claro em entrevista recente a um jornal de Curitiba: “busco uma história bem contada, isto é, aquela que constrói um fluxo envolvente e cujas situações transmitem eficientemente os dramas dos personagens, estabelecendo contato emocional com o leitor.”

A definição de Lacerda é primorosa e, como ele, há diversos escritores que enveredam pela mesma estratégia. Fernando Molica, Marcelo Moutinho, Tatiana Lévy, Homero Senna, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, Ana Paula Maia, Livia Garcia-Roza, Arnaldo Bloch e Sérgio Rodrigues estão entre eles. E me perdoem todos aqueles que não mencionei.

Concordo que cada um escreva como pode, como diz o André De Leones. Mas alguns podem mais que os outros. O que proponho não é desvalorizar os autores que seguem a verve intelectual da crítica especializada, muito menos desarticular seus grupos de influência que se eternizam em elogios mútuos (e justos) pelos cadernos de cultura do país. O que desejo é apenas abrir espaço para um outro tipo de literatura, cuja proposta de retorno ao compromisso narrativo inclua mais um conceito demonizado pela crítica: o entretenimento.

Para os doutores da Academia, entreter significa passar o tempo. É um termo pejorativo, aviltante, usado para diminuir uma obra. Mas não é o que ele significa para quem se envolve com um livro e não consegue largá-lo. Em literatura, entretenimento é a sedução pela palavra escrita. É a capacidade de envolver o leitor, fazê-lo virar a página, emocioná-lo, transformá-lo.

É esse o conceito de entretenimento que defendo para a ficção brasileira. Tenho a impressão de que todas as outras artes já o utilizam dessa forma, mas a literatura ainda parece padecer da velha dicotomia entre o erudito e o popular. O paradigma do biscoito fino é uma falácia de quase cem anos na cultura deste país. É o argumento da exclusão. São os brioches da nossa literatura, difundidos pelas Marias Antonietas encasteladas na linguagem empolada do hermetismo. Mas a guilhotina vai chegar.

Para quem for à Bienal do Livro neste sábado, o assunto será discutido ao meio-dia no café literário, em mesa mediada por mim e composta pelos escritores Luis Eduardo Matta e André Vianco. O que faremos? Contaremos histórias. Nas palavras de Eça de Queiroz, “contar uma história é a atividade mais generosa que um homem pode exercer”

· Felipe Pena é professor da UFF, doutor em literatura pela PUC-Rio e autor de dez livros, entre eles o romance “O analfabeto que passou no vestibular.” Em março, lança seu segundo romance pela Ed. Record.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Programação de Sábado na Bienal do Livro


Meio-dia: no café literário com André Vianco e Luis Eduardo Matta.
16 horas: no estande do Sindicato dos professores (Sindpro), falando sobre universidades e sobre o romance "O analfabeto que passou no vestibular."

Vocês são meus convidados.

domingo, 30 de agosto de 2009

No jornalismo não há fibrose (artigo publicado no JB de 30/8)

No jornalismo não há fibrose. O tecido atingido pela calúnia não se regenera. As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação raramente tem o mesmo espaço das acusações. E quando tem, a credibilidade do injustiçado dificilmente é restituída, pois o erro fica marcado no imaginário popular. Quem tem a imagem pública manchada pela mídia não consegue recuperá-la completamente.

Vamos lembrar o caso da Escola Base para exemplificar este raciocínio. O dono da instituição de ensino foi acusado de pedofilia, teve seu nome publicado nos jornais, mas acabou inocentado. Entretanto, vale perguntar: mesmo sabendo que o dono é inocente, quem matricularia seu filho nesta escola? Na maioria das vezes, responder com sinceridade a esta questão significa verificar que a fibrose realmente é impossível no jornalismo.

Podemos aplicar o mesmo raciocínio a casos como o de Ibsen Pinheiro, em Brasília, ou da Casa Pia, em Portugal, entre outros. Somos cruéis em nossos julgamentos, pois esquecemos que eles são mediados. Se não forem pela imprensa, podem ser pelos nossos próprios preconceitos, pelo inconsciente ou pela linguagem. Em muitos casos, são por todos esses fatores juntos. Assim, nosso veredicto acaba se resumindo à velha luta entre o bem e o mal, embora os indivíduos sejam muito mais complexos do que isso. Portanto, os repórteres devem se eximir do julgamento. Sua função não é judiciária, e ter consciência disso é meio caminho para uma conduta que se possa minimamente chamar de ética.

Aliás, uma das definições mais criativas de ética jornalística foi esculpida no livro A regra do jogo pelo colega Cláudio Abramo: “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão.”

A ponderação de Abramo significa que não é possível estabelecer critérios para um grupo se eles entrarem em conflito com as idéias e as representações da coletividade. Na teoria, a palavra grega ethos significa aquilo que é predominante nas atitudes e sentimentos dos indivíduos de um determinado meio, mas também é o espírito que move o coletivo. Ou seja, há sempre uma ligação vital entre o indivíduo e a comunidade.

O jornalismo participa da construção social da realidade, não é apenas o seu espelho. Entre a infinidade de fatos apurados pelos jornalistas, só alguns serão publicados ou veiculados, levando em consideração critérios como a característica do veículo, suas rotinas de produção e a própria presunção de quem é o seu público. Portanto, não retratamos a realidade objetivamente, como alguns acreditam.

No jornalismo, a objetividade não surgiu para negar a subjetividade, mas sim para reconhecer a sua inevitabilidade. Seu verdadeiro significado está ligado à idéia de que os fatos são construídos de forma tão complexa e subjetiva que não se pode cultuá-los como expressão absoluta da realidade. Pelo contrário, é preciso desconfiar desses fatos e propor um método que assegure algum rigor ao reportá-los.

Com esse espírito foram criadas as técnicas do lead e da pirâmide invertida na virada do século dezenove para o vinte. Elas substituíram o jornalismo opinativo pelo factual, priorizando a descrição objetiva dos fatos. Mas, conforme deixou claro o jornalista americano Walter Lippmann, que sistematizou essas técnicas em 1920, no livro Public Opinion, “o método é que deveria ser objetivo, não o repórter.”

Não acredito na idéia conspiratória de manipulação deliberada das notícias em favor desta ou daquela visão ideológica de mundo. Mais do que anacronismo, seria desconhecer o funcionamento de uma redação e menosprezar o leitor. A produção de notícias é planejada como uma rotina industrial, com procedimentos próprios, limites organizacionais e, principalmente, consumidores exigentes, capazes de reconhecer intenções manipuladoras nas reportagens. As normas jornalísticas têm muito mais importância do que preferências pessoais na seleção e filtragem de notícias.

Por outro lado, se como venho argumentando ao longo deste texto, a objetividade surge porque há uma percepção de que os fatos são subjetivos, então também podemos concluir que eles são mediados por indivíduos com interesses, carências, preconceitos e, inclusive, ideologias. Nesse sentido, é inevitável a existência de batalhas ideológicas nas redações, mesmo que amenizadas por um conjunto de procedimentos profissionais.

O bom jornalismo se caracteriza pela eficiente administração deste paradoxo.

sábado, 22 de agosto de 2009

Andanças do mesmo todo - (é o que somos)

Aqui diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confessoPossesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
(Miguel Torga)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Adieu, mon general.


Recebi hoje a notícia da morte de Irene Black, que foi minha assessora de RTVC na Estácio. Era nossa referência de seriedade. Saudades da profissional competente, dos rompantes geniais, do fluxo constante de idéias e, sobretudo, do papo honesto, sem firulas ou puxassaquismo.


Irene nunca apontava o dedo pra ninguém. Dizia que, ao fazer isso, outros três ficavam contra ela (foto). Mas sempre expressava suas opiniões com firmeza e paixão. Nada escapava ao seu olhar atento, instruído. Conhecia muito bem o seu ofício.

Há uma comunidade sobre ela no orkut. Chama-se "eu levei bronca da Irene Black". Por aí, dá pra perceber que seus alunos a amavam, pois entendiam a função pedagógica da bronca, que sempre vinha acompanhada de uma ternura peculiar, com sotaque francês e afago brasileiro.

Ainda lembro da verve crítica da Irene, da atenção com cada detalhe. Dizia: "chefe, troca essa gravata. Tá horrível. Assim, você não vai pro ar. Cancelo a gravação agora. Te mando pra casa mais cedo!" Não é difícil concluir: a chefe era ela.

Você faz falta, minha general !

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O ponto da partida - de Fernando Molica

Repito aqui a resenha sobre o excelente livro de Molica, lançado no ano passado

Um boa história para contar

A literatura brasileira contemporânea tem poucos autores dispostos a contar uma boa história. Para a felicidade dos leitores, Fernando Molica é um deles. Diferentemente da maioria de seus jovens colegas escritores, cujo estilo pretensioso e elitista é pautado pela crítica acadêmica, Molica evita os jogos de linguagem pós-modernos que produzem livros chatos e bestas. Sua escrita é sofisticada, mas não é hermética. Uma prova de que o texto fácil não tem qualquer relação com a superficialidade.
O Ponto da Partida é o terceiro romance do jornalista. É também seu romance da maturidade, resultado das experiências anteriores. O autor tem uma prosa fina, ambienta seus personagens em um Rio de Janeiro originalmente descrito e passa pelos diversos planos narrativos com muito talento, em cortes temporais sutis e bem elaborados. Tudo isso com simplicidade e elegância, características que garantem uma leitura agradável e fluente.
No enredo, um repórter repassa sua história de vida, repleta de frustrações amorosas e conflitos com os filhos, enquanto vela um cadáver na praia de Ipanema durante a madrugada, à espera de uma outra história, também familiar. Mas o romance não é uma crônica da violência no Rio de Janeiro, muito menos uma “vida como ela é” no estilo rodriguiano. Como muito bem observa o escritor Antonio Torres, na orelha do livro, “esta história só dói quando você pára de rir.”
O humor recorta o drama: “O tal do Moisés era uma espécie de repórter especial. O sujeito entrevistava Deus em on, veja só! Deus não pedia off.” Molica também não pede. A narrativa ironiza a religião, o jornalismo e até a sexualidade: “Troque a capa desse teu caderno, deve ter aí uma cota para matérias sobre heterossexuais, não? Sei que esse negócio de hetero é mal visto por aqui. É meio antigo né?”
Além dos leitores de boas histórias, é possível que alguns doutores em Letras também apreciem o livro. Para a surpresa dos academicistas, a prosa envolvente não inviabiliza a discussão metalingüística. Mas o autor faz isso com naturalidade, sem a arrogância dos experimentalismos vazios, aqueles que produzem textos sem parágrafos, vírgulas ou coerência. Molica escreve com uma sinceridade constrangedora: “Não faça essa cara, sei que a frase não é das melhores. Mas é assim mesmo.”
As transições para os flashbacks são feitas com leveza. Não há a sensação de que a narrativa pula de repente para o passado, nem o mal-estar da sobreposição de tempos verbais. Como a preocupação é com a história, o tom do romance é ditado pelo enredo, não pela linguagem. Graças ao bom Deus Semântico, sabedor de que no princípio era, e ainda é, o verbo.
Fernando Molica produz uma ficção que não é erudita nem best seller. Sua narrativa percorre uma espécie de caminho do meio, tão importante para a formação de leitores assíduos e freqüentes no país. O “meio” nos vários sentidos do termo: aquele que está entre a linguagem hermética e o simplismo bestializante, entre o clássico e o inovador, entre o cânon e o marginal, entre o consagrado e o estreante. Algo que cative o leitor e o leve a novas leituras. Na melhor tradução do termo, uma história bem contada.
Assim, vale evocar o drama de um personagem secundário do romance, o João Carniça, um velho repórter que não sabia escrever, mas apurava histórias como ninguém. Carniça era do tempo em que o repórter não precisava colocar o enredo no papel, mas precisava saber contar o que vira. Até que chegou uma molecada na redação com o talento exatamente inverso e ele ficou obsoleto.
Estou enganado ou autor deixou no ar mais uma reflexão metalingüística sobre nossa literatura? Alguém viu o João Carniça por aí?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Literatura também é entretenimento (sumário)

1 – Introdução
2 – O entretenimento como ausência de valor na literatura contemporânea
2.1. A linguagem no lugar da narrativa
2.2. Dos formalistas aos engenheiros linguísticos
2.3. A crítica acadêmica como parâmetro
2.4. A ausência de leitores
2.5. O ensino nas escolas e universidades

3 - Uma volta ao passado
3.1. As estratégias narrativas no século XIX
3.2. O público-leitor
3.3. Alguns autores

4- Alguns gêneros do entretenimento
4.1. romance policial
4.2. folhetim
4.3. ficção científica
4.4. terror
4.4.1. Vampiros
4.5. espionagem
4.6. enigma
4.7. romance-reportagem
4.8. memórias

5 – Estratégias narrativas para cativar o leitor

5.1. a elaboração da trama – escrever fácil é muito difícil
5.2. a construção das personagens
5.3. os pontos de virada
5.4. a pesquisa de campo
5.5. linearidades, circularidades e flash backs
5.6. fluência, agilidade e aprendizado
5.7. correção e coerência

6. Alguns autores nacionais

7. Alguns autores internacionais

8. Conclusão

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Parecer do escritor Deonísio da Silva

Estamos diante de um grande romance, um dos melhores que tenho lido nos últimos anos. Há versões e aversões mútuas no triste crepúsculo de relações que se tornaram doentias! E este é um dos temas solares deste novo romance de Felipe Pena, que nos mostrou no anterior, O analfabeto que passou no vestibular, o seu gosto pelo roman à clef ou novel with a key, como dizem, mais explícitos, os ingleses. Neste, a chave está à disposição de todos. Uma dupla verossimilhança cobre todos os capítulos: a externa – tudo o que narra, poderia ter acontecido; e a interna – o que acontece é semelhante a quem acontece, tão bem tipificados estão os personagens.


Há um novo romancista no Rio de Janeiro! E dos bons. Pois um romance médio quase que todos podem escrever. Todavia o segundo passo ser melhor do que o primeiro, este é o prefixo que identifica um escritor que tem projeto literário e está empenhado em escrever, não por conveniências da hora, mas por vocação.


Deonísio da Silva – escritor premiado com o Casa de Las Américas e Doutor em Letras pela USP

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Em que faculdade se formou o psiquiatra de Collor?





O que vocês acham melhor para o Collor: haldol, camisa de força ou eletrochoque?


Em que faculdade o psiquiatra dele se formou? Tá na cara que o tratamento não deu certo.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Eurico Miranda continua no Vasco e atrapalha a cidade

Hoje pela manhã, o trânsito parou em frente à sede náutica do Vasco da Gama, na Lagoa, zona sul do Rio. Oito remadores atravessavam a avenida carregando um barco oficial e tiveram muito trabalho para guardá-lo na sede.
Até aí nada. Somos todos compreensivos com os atletas. O único problema era o nome da embarcação: Eurico Miranda.
Se liga, Dinamite!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Carta de Lula para Collor em 2060 (Jornal do Brasil de sexta-feira, 31/7)

De Lula para Collor, em 2060

Querido Fernando,

Como vai a morte aí em embaixo? Rosane já se acostumou com o clima? Se tiver qualquer dificuldade é só me dizer. Tenho vários amigos morando na sua vizinhança. Eles me devem favores, não hesitarão em atender a um pedido meu, principalmente agora que inicio minha trajetória política aqui em cima.

Uma coisa posso te garantir: nunca antes na história do Paraíso um operário esteve tão próximo do poder. Na semana passada, organizei a primeira grande greve do sindicato dos santos. Foi um sucesso. Paramos todos os milagres, ninguém atendeu a uma oração sequer. A imprensa estava toda lá. O exército de arcanjos cercou o estádio, mas nós ficamos unidos.

O Francisco de Assis, que é líder da bancada da oposição, já me convidou pra fundar um novo partido junto com uns intelectuais de esquerda. O ditador aqui é muito poderoso, vive baixando decretos que Ele chama de mandamentos. Mas logo vamos restabelecer a democracia e acabar com a corrupção e o nepotismo.

É verdade que tem um pelego de nome Pedro que anda me boicotando. O cara tem medo de perder o lugar, coitado. Não sabe que a minha meta é ser chefe dele. Não tenho qualquer interesse no posto de intermediário. Estou pensando em oferecer a vaga de vice pra ver se ele para de me encher o saco.

Nos últimos dias, tenho pensado muito em você. Se estou aqui em cima é porque exercitei a virtude do perdão contigo. Se não fosse por aqueles acordos que fizemos em 2009, quando subi no teu palanque em Alagoas junto com o Renanzinho, não teria conseguido o visto para entrar no Paraíso. Obrigado, companheiro. Obrigado por me deixar perdoá-lo.

Tem visto o Sarney por aí? É outro a quem devo o meu lugar nestas nuvens abençoadas. Assim como te perdoei por ter exposto a minha filha fora do casamento na campanha de 1989, também perdoei o José por me transformar em seu avalista político durante o escândalo dos atos secretos no senado. Ele não é uma pessoa comum, merece toda a minha reverência. Vê se arruma uma boquinha pros parentes que forem chegando por essas bandas. O homem precisa.

O Franklin Martins está aqui do meu lado, corrigindo o que eu escrevo. Como não deixaram o Duda Mendonça entrar, é ele que cuida de tudo. O japa também foi barrado, assim como o Dirceu e o Palocci. Ainda não entendi por quê. Deve ser coisa desse tal de Pedro. Tenho certeza que o cara é agente do SNI, mas a Dilma e o Suplicy acham que ele é tucano mesmo. Já o viram cochichando com o FHC e o Serra em um jogo de tranca na casa do São Judas Tadeu.

Na semana que vem, vamos fazer um churrasco numa granja que o sindicato comprou ao lado dos Portões do Éden. A vista é uma beleza, mas você ia babar mesmo é com os jardins, que deixam a Casa da Dinda no chinelo. A construtora que fez a obra pertence a um sujeito que veio lá do Vaticano, um alemão de nome estranho cujo passatempo preferido é contar piadas antissemitas.

Só não te convido porque sei que a polícia federal não te deixaria entrar. Mas quem sabe eu vá te visitar um dia desses para comer uma pizza junto com o Renan, o Maluf, o Jáder, o ACM, o Cafeteira e outros companheiros queridos de quem sinto tantas saudades. Sei que o forno aí embaixo é muito bom e os pizzaiolos são os melhores do universo.

Um abraço de paz e amor,

Luís Inácio


Felipe Pena é jornalista, escritor e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC e autor do romance “O analfabeto que passou no vestibular”.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Programação da Bienal do Livro


Sábado, dia 19 de setembro:
  • 12 h: Mesa "Literatura e Entretenimento", no Café Literário. (com André Vianco e Luis Eduardo Matta)
  • 15h: Palestra no stand do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro.
    Mantenho vocês informados.
    .

domingo, 26 de julho de 2009

Novo romance

Achei um título para o romance. Grande contribuição do prof. João Assafim, da UFRJ. Entrego os originais amanhã na editora. Obrigado, João.
"No romance, somos apresentados a uma mulher angustiada que busca a ajuda de uma terapeuta para salvar o casamento. Mas logo percebemos que a angústia é compartilhada por outros personagens, até mesmo os bem casados (ou principalmente estes). Então ocorre um crime. E os terapeutas farão o papel de investigadores. Quem é o culpado pela incomunicabilidade entre homens e mulheres? Uma questão que nem Freud foi capaz de resolver, embora passemos a vida atrás da resposta."

João Assafim – professor da UFRJ

sábado, 25 de julho de 2009

Programação completa do NP de Teoria do Jornalismo da Intercom

5 de setembro, das 9 h às 12h

-A decisão do STF sobre o diploma, o futuro da profissão e a consolidação da Teoria do Jornalismo.
Coordenador: Felipe Pena de Oliveira (UFF), Palestrante: Zelia Leal Adghirni (UnB), Luiz Gonzaga Motta (UnB),Palestrante: Carlos Eduardo Franciscato (UFS), Palestrante: Beatriz Alcaraz Marocco (Unisinos)

Dia 5/9 das 14 às 16h
- Subjetividades, complexidade e construção social da realidade no jornalismo

Coordenador: Felipe Pena de Oliveira (UFF), Expositor: Nicoli Glória De Tassis Guedes (UFMG), Expositor: Bruna do Amaral Paulin (PUCRS), Expositor: Eliza Bachega Casadei (ECA-USP), Expositor: Gisele Dotto Reginato (UFSM), Expositor: Karenine Miracelly Rocha da Cunha (ECA/USP), Expositor: Daiane Bertasso Ribeiro (UFSM)
Jornalismo e a realidade de segunda ordem: subjetividade à luz de Heinz von Foerster Karenine Miracelly Rocha da Cunha(ECA/USP)
Zero Hora 45 Anos – “Da construção da realidade a realidade da construção" Daiane Bertasso Ribeiro(UFSM), Maria Ivete Trevisan Fossá(UFSM)
Em busca da complexa simplicidade: dispositivos pedagógicos na revista Vida Simples Gisele Dotto Reginato(UFSM)
A Beatlemania nos EUA: Agendamento ou Acontecimento Midiático? Bruna do Amaral Paulin(PUCRS)
Para Além do Presente: a inserção do passado nas reflexões sobre o jornalismo Eliza Bachega Casadei(ECA-USP)
Jornalismo e Construção Social da Realidade: Uma reflexão sobre os desafios da produção jornalística contemporânea Nicoli Glória De Tassis Guedes(UFMG)

- 16h às 18:30h: As fronteiras entre informação e entretenimento no jornalismo
Coordenador: Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio), Expositor: Diego Pontoglio Meneghetti (UNESP), Expositor: Karin Cristina Betiati Reginaldo (UNIVEL), Expositor: Adilson Rodrigues da Nóbrega (EMBRAPA), Expositor: Daniela Maria Schmitz (UFRGS), Expositor: Patrícia Monteiro Cruz (UFPB)
Informar ou Entreter: questões sobre a importância e o interesse das notícias Leonel Azevedo de Aguiar(PUC-Rio) Assine Aqui: os Pactos de Leitura entre a Revista Elle e suas Leitoras Daniela Maria Schmitz(UFRGS) Discursos da vida real: articulações entre jornalismo e cotidiano na imprensa feminina Patrícia Monteiro Cruz(UFPB) A escalada da abstração das tecno-imagens do jornalismo Diego Pontoglio Meneghetti(UNESP) Coluna Zapping da Folha Online: frivolidade ou mera aparência? Karin Cristina Betiati Reginaldo(UNIVEL) Fábio de Melo, entre palco e altar: a imprensa brasileira e um novo olimpiano católico Adilson Rodrigues da Nóbrega(EMBRAPA)

6 de setembro

- 8h às 10h: O lugar de fala, a pauta e as estatísticas no discurso jornalístico

Coordenador: Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio), Expositor: Aldo Antonio Schmitz (UFSC), Expositor: Ana Claudia Silva Mielki (ECA/USP), Expositor: Denise Paro (UDC), Expositor: Milton Julio Faccin (Unesa), Expositor: Genilda Alves de Souza (FACASPER), Expositor: Rafael da Silva Paes Henriques (Ufes)
O lugar de onde se fala: o jornalismo e seus princípios fundamentais Rafael da Silva Paes Henriques(Ufes) A Manipulação dos Dados Estatísticos pela Mídia Impressa Genilda Alves de Souza(FACASPER) A Pauta em Mutação Aldo Antonio Schmitz(UFSC) Articulação da Memória Discursiva no Texto Opinativo Ana Claudia Silva Mielki(ECA/USP) A mídia critica a mídia: apontamentos de jornalistas sobre a cobertura na tríplice fronteira do Brasil, Paraguai e Argentina. Denise Paro(UDC), Sônia Cristina Poltronieri Mendonça(UDC) Jornalismo regional: em busca de leituras possíveis Milton Julio Faccin(Unesa)

- 10h às12:30: Avaliação de qualidade, reforma editorial e pesquisa no jornalismo

Coordenador: Felipe Pena de Oliveira (UFF), Expositor: Josenildo Luiz Guerra (UFS), Expositor: Carlos Eduardo Franciscato (UFS), Expositor: Victor Israel Gentilli (Ufes), Expositor: Emerson Urizzi Cervi (UEPG), Expositor: ANGEL RODRÍGUEZ BRAVO (UAB), Expositor: Roseméri Laurindo (Furb)
Notas sobre o desenvolvimento de pesquisa de avaliação de qualidade aplicada ao Jornalismo Josenildo Luiz Guerra(UFS) A Temporalidade Múltipla no Webjornalismo Carlos Eduardo Franciscato(UFS) Os primeiros mil dias: a reforma da Folha de São Paulo de 1975 a 1977 Victor Israel Gentilli(Ufes) Métodos Quantitativos na produção de conhecimento sobre jornalismo: abordagem alternativa ao fetichismo dos números e ao debate com qualitativistas Emerson Urizzi Cervi(UEPG) La implantación de un Sistema Iberoamericano de Control de Calidad para Productos Audiovisuales: propuestas metodológicas. ANGEL RODRÍGUEZ BRAVO(UAB) Autor-Jornalista e autor-marca como parâmetros do jornalismo e da publicidade para além do marco capitalista Roseméri Laurindo(Furb)

- 14h às 16h: O Jornalismo Literário e as narrativas além do lead
Coordenador: Felipe Pena de Oliveira (UFF), Expositor: Monica Martinez (UMESP/UniFIAMFAAM), Expositor: Mateus Yuri Ribeiro da Silva Passos (UFSCar), Expositor: Francilene de Oliveira Silva (UMESP), Expositor: suzana aparecida vier (ABJL), Expositor: Diana Paula de Souza (UFRJ), Expositor: Adélia Barroso Fernades (UniBH)
Jornalismo literário, humanização e polifonia: perfis da música erudita em piauí Mateus Yuri Ribeiro da Silva Passos(UFSCar) Programa Globo Rural: Um exemplo de Jornalismo Literário em mídias eletrônicas Monica Martinez(UMESP/UniFIAMFAAM) Visão Sistêmica de Jornalismo Literário sobre Meio Ambiente Francilene de Oliveira Silva(UMESP) Contribuições do Jornalismo Literário à Comunicação Sindical suzana aparecida vier(ABJL) Jornalismo e narrativa: uma análise discursiva da construção de personagens jornalísticos no seqüestro de Abílio Diniz e suas repercussões políticas Diana Paula de Souza(UFRJ) A emoção como argumento no jornalismo: estratégias discursivas do phatos na Folha de São Paulo Adélia Barroso Fernades(UniBH)

- 16h às 18h: Credibilidade, agendamento e controle no jornalismo
Coordenador: Leonel Azevedo de Aguiar (PUC-Rio), Expositor: Josemari de Quevedo (PPGCOM-UFRGS), Expositor: anelise silveira rublescki (UFRGS), Expositor: Fábio Antônio Flores Rausch (PUCRS), Expositor: Ericka de Sá Galindo (UFPE), Expositor: Rodrigo Dugnani (PUC-SP), Expositor: Maria da Consolação Resende Guedes (MG)
Jornalismo e Conteúdo Gerado pelo Usuário: uma Discussão sobre Credibilidade anelise silveira rublescki(UFRGS) Credibilidade jornalística - Uma compreensão teórica Josemari de Quevedo(PPGCOM-UFRGS) O caso Kliemann e a hipótese do agendamento entre o Diário de Notícias e a Última Hora Fábio Antônio Flores Rausch(PUCRS) Representações Sociais e Construção Social da Realidade: Teorias para entender o papel do jornalismo na cobertura do Judiciário Ericka de Sá Galindo(UFPE) A Análise de Discurso Crítica da Cobertura do Jornal O Estado de S. Paulo sobre a Previdência Social Brasileira Rodrigo Dugnani(PUC-SP), Bruna Lopes Fernandes(UNISO) Jornalismo popular-massivo: Quem é o leitor do Super Notícia Maria da Consolação Resende Guedes(MG)

- 16 às 18:30: Identidades jornalísticas: definidores primários, política e psicanálise.
Coordenador: Soraya Venegas Ferreira (UNESA), Expositor: Carlos Alberto de Carvalho (UFOP), Expositor: Bruno Souza Leal (UFMG), Expositor: MARIA ARGENTINA HÚMIA DÓRRIO (UTP), Expositor: Aline da Rocha Barbosa (UFF), Expositor: ROSANE MARTINS DE JESUS (UFC)
Violência Premiada: a Valorização da Imagem do Flagrante como Critério de Excelência no Prêmio Esso de Fotografia Soraya Venegas Ferreira(UNESA) Desafios na Utilização do Conceito de Acontecimento em Coberturas Jornalísticas sobre Homofobia Carlos Alberto de Carvalho(UFOP) Reflexões sobre o agendamento: síntese de um estudo de caso Bruno Souza Leal(UFMG) Análise da Atualidade da obra 'Conselhos a um Jornalista", de Voltaire: O queé um Jornalista? MARIA ARGENTINA HÚMIA DÓRRIO(UTP) Os Discursos Terapêuticos na Imprensa a partir da Teoria dos Definidores Primários Aline da Rocha Barbosa(UFF), Letícia Silva Queiroz(UFF) O Espetáculo como Manchete: Da Candelária, uma multidão pede eleições diretas para Presidente do Brasil ROSANE MARTINS DE JESUS(UFC)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Comunicação é Ciência ? (Editorial da Revista Contracampo nº 19)

A cada nova edição da Contracampo questiono os objetivos das publicações acadêmicas em nossa área e, consequentemente, o próprio papel dos pesquisadores que nela publicam. Por que alguns insistem em chamar de ciência um campo cujas reflexões se aproximam muito mais da arte? Até que ponto os critérios balizados pela Capes e CNPQ se aplicam à Comunicação? As revistas não deveriam ter uma interlocução maior com setores de fora da universidade? Quem, de fato, lê o que publicamos? Por que utilizamos uma linguagem pomposa e hermética se o que queremos é, em última instância, comunicar os resultados de nossas pesquisas?

A maioria de nós leciona em programas de pós-graduação de universidades públicas, o que nos obriga a ter um nível mínimo de produção e a posterior veiculação em revistas indexadas. Este sentido pragmático talvez nos impeça de dar mais atenção às questões acima, mas creio que não podemos deixar de abordá-las. Da mesma forma, sei que há um grande esforço para consolidar o campo como área de conhecimento, capitaneado por nossos mais experientes professores, o que merece todos os elogios e louvações. Entretanto, empreender um trabalho questionador é uma forma de enriquecer esse mesmo esforço e não de inviabilizá-lo.

Já ouvi críticas a estes questionamentos sob o argumento de que não passam de um reducionismo, uma visão limitada de nossa ampla produção. Para tal argumento tenho duas respostas. Primeiramente, basta uma consulta quantitativa às principais publicações da área para ver que a maioria dos textos têm caráter ensaístico-teórico, e nem mesmo a maior parte daqueles que se propõem empíricos apresenta dispositivos propriamente “científicos”, seja no sentido das refutações de Popper, das induções de Bacon ou de qualquer outro método que mereça tal epíteto .

Em segundo lugar, se estou sendo reducionista, esta é a natureza de minha própria argumentação, que é teórica, levanta uma hipótese. Se vou teorizar sobre determinado assunto, significa que quero enquadrá-lo sob um ponto de vista específico. Mesmo que para isso utilize os mais diversos conceitos e as mais diversas metodologias. Ao final, meu trabalho acaba sendo reduzir os tais conceitos e as tais metodologias aos limites do próprio quadro teórico que proponho.

Então, para que produzir teorias nas mais diversas áreas do conhecimento? Resposta: para aprofundar o conhecimento sobre elas. Por mais paradoxal que pareça, reduzir também é ampliar. Quando faço um recorte sobre um tema, meus métodos de análise promovem questões que podem servir para incentivar a criação de outros métodos, que vão produzir novas questões e assim por diante. A pertinência de qualquer debate está nas perguntas, não nas respostas.
Com tal intenção, rabisquei as linhas acima. Provavelmente, incorro nos mesmos erros que aponto, mas espero contribuir para ampliar as discussões sobre o assunto. Nas páginas da Contracampo 19, o leitor encontrará textos ligados às mais diversas orientações teóricas. Todos merecem a sua atenção.

Boas reflexões!

sábado, 18 de julho de 2009

Entrevista sobre a Literatura Brasileira

1. Em que aspectos a atuação acadêmica/universitária pode estar sendo nociva à leitura e à literatura?
Como disse na entrevista ao Globo, são os mestres e doutores que prejudicam a formação de um público leitor no país. A linguagem da academia é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais nossos brilhantes professores universitários se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. As teses e dissertações seguem regras rígidas justamente para garantir essa perpetuação de poder. E isso se reflete na literatura.


2. Qual a responsabilidade dos escritores brasileiros nisso?
A literatura brasileira contemporânea é elitista e pretensiosa. Os autores (estou generalizando de propósito) não se preocupam com o principal, que é contar uma história. Alguns livros nem história têm, limitando-se a jogos de linguagem, cujo único objetivo é enaltecer um suposto brilhantismo intelectual. E os escritores reclamam que não são lidos. Não são lidos porque são chatos, herméticos e bestas.


3. O que não quer dizer que não sejam boa literatura?
Exatamente. Nunca disse que não eram boa literatura. Só não são acessíveis. Eu leio esses autores, mas tenho doutorado em Literatura. E tenho que me esforçar para ler. Aliás, isso é parte do problema: a academia e uma elite leitora convencionaram que só tem valor aquilo que está na elipse, que força você a encontrar sentido onde poucos conseguem enxergar. Por essa premissa, o que é fácil de ler não tem valor literário. E quem discorda dela é taxado de superficial.


4. Como você vê o momento atual de nossa literatura?
Com a preocupação expressa na resposta anterior. Mas sei que há exceções e, por isso, sou um otimista. O paradigma do biscoito fino é uma falácia de quase cem anos na cultura deste país. É o argumento da exclusão. São os brioches da nossa literatura, difundidos pelas Marias Antonietas encasteladas na linguagem empolada do hermetismo. Mas a guilhotina vai chegar.

5. O que pode ser feito para melhorar o quadro?
Criar um grupo do meio na literatura nacional. Algo entre a chatice dos experimentalismos de linguagem e o extremo oposto das narrativas mal elaboradas. Precisamos valorizar escritores que escrevam para um público mais amplo, mas que também tenham preocupações com a boa escrita. Em suma, que sejam capazes de elaborar enredos ágeis, escritos com simplicidade e fluência. Que contribuam para a formação de um público leitor no país.


6. Qual é a sua contribuição pessoal nesse sentido da melhoria e do aperfeiçoamento de nossas letras?
Isso é o leitor que vai dizer. Os quatro primeiros capítulos do meu romance, que é uma ficção jornalística, estão disponíveis no site www.felipepena.com E o próximo lançarei em março.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Resenha de Deonísio da Silva sobre Jornalismo Literário

Felipe Pena é conhecido da Galáxia Gutenberg e da mídia por trabalhos importantes na área do Jornalismo e da Literatura. Ousado nos temas, inventivo no modo de desenvolvê-los, está sempre atento às ligações perigosas que o texto mantém com a sociedade.


Autor de vários livros, volta agora com Jornalismo Literário (Editora Contexto, 142 páginas) trazendo à reflexão suas costumeiras obsessões, desta vez, porém, num texto ainda mais leve, que começa com a referência a uma narrativa esclarecedora dos seus propósitos: um jornalista visita o Céu e o Inferno. Nos dois lugares os habitantes têm os cotovelos invertidos. No Inferno, todos morrem de fome porque “não podem levar a comida até a boca”. No Céu, vivendo idêntica situação, “ninguém morre de fome, porque cada um leva a comida à boca do próximo”.

Utilizando a fábula, discorre sobre a urgente solidariedade, dizendo do Jornalismo: “o que deveria ser uma profissão ligada às causas da coletividade vem se transformando, salvo boas e raras exceções, em palco de futilidades e exploração do grotesco e da espetacularização”.

Mas se o verdadeiro Jornalismo é outro, onde está? “Os jornalistas sérios, comprometidos com a sociedade, têm seu espaço reduzido e buscam alternativas. O Jornalismo Literário é uma delas”.
Ele aborda, sem medo, temas complicados. A celebridade, ao ter a casa assaltada, primeiro chama a revista de fofocas e depois a polícia. A violência urbana, tragédia de nossa vida contemporânea, torna-se insumo para a sobrevivência da fama sustentada por banalidades. Vítima e mídia permutam a reificação de profissionais, reduzidos a manipular a desgraça alheia, sem o mínimo propósito social.

Uma das conquistas burguesas foi separar as esferas da vida pública e da vida privada. Mas quando o programa de televisão “flagra” a celebridade dormindo em seu quarto, há uma perigosa cumplicidade, cujos desdobramentos podem ser perigosos.
E que dizer quando outra é a violação e de nada valem os desmentidos de suspeitos ou caluniados, já que a mídia freqüentemente inverte o preceito jurídico ordenador da vida civilizada, levando leitores incautos a achar que, em vez de os acusadores provarem a culpa, são as vítimas que devem provar sua inocência?

Felipe Pena, ainda que durante muitos anos “emparedado nas regras da objetividade da imprensa diária”, concilia como poucos a literatura e o jornalismo. Atrapalho para tantos outros, o doutorado em literatura deu-lhe sólida base teórica para suas reflexões.
Deonísio da Silva - professor, doutor em literatura e escritor, autor de 20 livros

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A entrevista para o Prosa & Verso do Globo

(por Miguel Conde)
Professor da pós-graduação em Comunicação da UFF, ex-subreitor da Estácio de Sá, o jornalista Felipe Pena estréia na ficção criticando o ambiente em que tem transcorrido sua vida profissional: a universidade brasileira. "O analfabeto que passou no vestibular" (7 Letras) é anunciado como um romance-denúncia sobre o ensino superior em nosso país, e nesta entrevista Pena critica tanto a mercantilização do saber nas instituições privadas quanto a obscuridade da linguagem usada em cursos prestigiados. Um hermetismo, diz, que se faz presente também na literatura brasileira contemporânea, segundo ele chata e besta.

Esse livro, para você, é basicamente um meio de levantar uma discussão sobre o ensino universitário brasileiro, ou você tem também ambições literárias, espera ser reconhecido como escritor?

Não tenho pretensões literárias com este livro nem com o próximo, que está quase pronto. Não faço literatura, faço ficção. A literatura brasileira contemporânea presta um desserviço à leitura. Os autores não estão preocupados com os leitores, mas apenas com a satisfação da vaidade intelectual. Escrevem para si mesmos e para um ínfimo público letrado, baseando as narrativas em jogos de linguagem que têm como único objetivo demonstrar uma suposta genialidade literária. Acreditam que são a reencarnação de James Joyce e fazem parte de uma estirpe iluminada. Por isso, consideram um desrespeito ao próprio currículo elaborar enredos ágeis, escritos com simplicidade e fluência. E depois reclamam que não são lidos. Não são lidos porque são chatos, herméticos e bestas.

Após fazer mestrado e doutorado em Literatura Brasileira, não tenho dúvidas de que são os mestres e doutores que prejudicam a formação de um público leitor no país. A linguagem da academia é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais nossos brilhantes professores universitários se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. As teses e dissertações seguem regras rígidas justamente para garantir essa perpetuação de poder. E isso se reflete na literatura.

Enfim, tento seguir na direção contrária. Escrevo para ser lido, o que parece ser um pecado mortal no sacro universo de nossa literatura. E, como conseqüência da leitura, é que proponho algumas discussões. Em "O analfabeto que passou no vestibular", não é só a qualidade do ensino superior que pretendo colocar em pauta, mas o próprio papel da universidade e dos professores universitários. Entretanto, talvez a questão mais importante esteja na própria linguagem. Acredito que precisamos de livros de ficção que sejam acessíveis a uma parcela maior da população. E isso não significa produzir narrativas pobres ou mal elaboradas. Escrever fácil é muito difícil.


Seu livro é anunciado como um romance-denúncia sobre a decadência do ensino universitário no Brasil. Por que você quis fazer um romance e não a denúncia, simplesmente?


A ficção fala mais sobre a realidade do que a própria realidade. Ela é perene, não serve para embrulhar o peixe no dia seguinte. Regularmente, diversas pessoas denunciam a decadência do ensino universitário no Brasil. São alunos, professores, pais e até congressistas. Basta abrir os jornais e ver os indicadores do MEC, os resultados das provas da OAB e as avaliações do INEP. O que adianta? As discussões duram no máximo alguns dias e depois se perdem. Esse é o tempo da mídia. A imprensa esgota o assunto rapidamente, pois outras pautas se impõem. É da sua natureza.


Com o livro é diferente. Daqui a dez anos alguém ainda poderá levantar a discussão. Além disso, a ficção fornece pistas sobre comportamentos, levanta discussões sobre detalhes que passam despercebidos e aguça a imaginação, o que é sua característica mais importante. Por exemplo: a reforma universitária está em tramitação no Congresso Nacional. Se um deputado em Brasília tiver interesse em ler ficções sobre universidades pode encontrar um material incomum para criar soluções imaginativas e não apenas burocráticas ou paliativas. Como diria o Manoel de Barros, noventa por cento do escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira.


Sua experiência em universidades privadas te deixou pessimista quanto à expansão do ensino superior no país? Que episódios te levaram a constatar essa decadência?


Os episódios estão descritos no próprio livro e foram retirados de jornais. Eu ficcionalizo fatos que saíram na mídia. Invento enredos a partir de outros que já foram veiculados na imprensa. O problema é que nossa realidade é inverossímil mesmo. Como explicar para um estrangeiro que um analfabeto passou no vestibular? Ou como explicar o próprio vestibular, um concurso que dá aos ricos acesso ao ensino universitário gratuito, deixando para os pobres a opção de pagar ou não estudar?


Quero que fique bem claro que não sou contrário à expansão universitária nem ao ensino privado. O que me incomoda é a mercantilização, que se intensificou absurdamente nos últimos anos com a abertura de capitais das universidades, que agora lançam ações na Bolsa de Valores. Eu esperava que a entrada de dinheiro melhoraria as condições de ensino, mas não foi o que aconteceu. Em vez disso, prevalece a lógica do corte de custos para aumentar os lucros. Isso significa turmas com mais alunos, demissões de professores e quebra de pré-requisitos para otimizar as salas de aula. Imagine um aluno de engenharia que cursa Cálculo II antes de fazer Cálculo I. Que tipo de ponte ele vai construir? E o pior é que nós é que vamos atravessar essa ponte.


No Brasil, as universidades particulares baseiam suas receitas exclusivamente nas mensalidades, o que é um erro fatal e principal causa dessa distorção. A solução seria investir na pesquisa, fazer parceria com grandes empresas e receber royalties. Isso iniciaria um ciclo vicioso positivo. Mais pesquisas, melhores pesquisadores, melhores, professores, melhores alunos. E, conseqüentemente, mais investimentos. Infelizmente, os acionistas querem o caminho mais rápido, não pensam a longo prazo.


Mas eu sou um otimista. Acho que essa realidade ainda pode mudar. Assim como também pode mudar aquilo que nossos doutores chamam de Literatura.