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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

sábado, 29 de dezembro de 2012

Vinte livros marcantes em 2012

Combinei com a Marcia Tiburi, o Marcelo Moutinho e o André de Leones que listaríamos os livros que nos marcaram em 2012. (Os links para os blogs deles estão no final deste post. ) Então entrem lá porque as listas são mais abrangentes.
O livro que mais me marcou em 2012 foi o Habitante Irreal, do Paulo Scott. Mas, como  foi lançado no final de 2011, não entra na lista abaixo.
Em 2012, precisei reler a Arte Poética do Aristóteles e boa parte da obra de Freud para formatar as minhas aulas de roteiro na UFF e na Casa do Saber, o que limitou minhas leituras de ficção. Mesmo assim, a lista deixa de fora autores cujos livros me deram muito prazer neste ano. Não há como evitar: a exclusão está na natureza de qualquer lista.
Vinte livros lançados no Brasil em 2012 - romance, ensaio e poesia - (ordenados aleatoriamente):
 1. Sozinho no Deserto Extremo, de Luiz Bras.
 2. Como ficar sozinho, de Jonathan Franzen.
 3. A sombra no sol, de Eric Novello.
 4. O que deu para fazer em matéria de história de amor, de Elvira Vigna.
 5. Memória de Antes Cadáver, de Narjara Medeiros.
 6. Suicidas, de Raphael Montes.
 7. Amsterdam, de Ian McEwan.
 8. Chove sobre minha infância, de Miguel Sanches Neto.
 9. Era meu esse rosto, de Márcia Tiburi.
 10. Os Enamoramentos, de Javier Marías.
 11. Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, de DFW.
 12. Lotte e Zweig, de Deonísio da Silva.
 13. O alienado, de Cirilo S. Lemos.
 14. Peças fragilizadas, de Vera Carvalho Assumpção.
 15. Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas.
 16. O inventário de Júlio Reis, de Fernando Molica.
 17. Livro, de José Luís Peixoto.
 18. Quiçá, de Luisa Geisler.
 19. Aquela água toda, de João Carrascoza.
20. A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan.

As listas do Marcelo, da Márcia e do André podem ser conferidas nos links abaixo:

Marcelo Moutinho: http://www.marcelomoutinho.com.br
André de Leones: http://vicentemiguel.wordpress.com
Márcia Tiburi: http://filosofiacinza.com

Para quem se interessa por teledramaturgia, o curso na Casa do Saber será em janeiro: ARISTÓTELES E FREUD INTERPRETAM OS SERIADOS AMERICANOS. O link está abaixo:

http://www.casadosaber.com.br/curso.php?cid=3520

Bom ano novo para leitores, autores e telespectadores.
 
 

sábado, 15 de dezembro de 2012

Finalistas do Prêmio Machado de Assis de Literatura (categoria romance), da Biblioteca Nacional


Ata da primeira reunião dos jurados da categoria romance do Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional, ano 2012.
 

Após uma primeira análise das obras inscritas na categoria romance (prêmio Machado de Assis), cada jurado relacionou quinze livros, com base nos critérios estabelecidos no edital. Na reunião do presente dia, os jurados compararam suas listas e chegaram aos nomes e obras abaixo relacionados, que foram citados por, pelo menos, um integrante do júri:
- Ventania, de Alcione Araújo

- Memória de Antes Cadáver, de Narjara Medeiros.

- Habitante Irreal, de Paulo Scott.

- Suicidas, de Raphael Montes,

- Sozinho no deserto extremo, de Luiz Bras.

- Lotte e Zweig, de Deonísio da Silva.

- A felicidade é fácil, de Edney Silvestre.

- Dois rios, de Tatiana Salém Levy.

- Valentia, de Deborah Kietzman Goldemberg,

- Domingos sem Deus, de Luiz Ruffato.

- O mendigo que sabia de cor Erasmo de Rotterdam, de Evandro Affonso Ferreira.

- Procura do romance, de Julián Fuks.

- Quiçá, de Luisa Geisler.

- Solidão Continental, de João Gilberto Noll.

- O livro das Horas, de Nélida Piñon.

- O Céu dos suicidas, de Ricardo Lísias.

- A condessa de Picaçurova, de Antônio Salvador.

- Deus foi almoçar, de Ferréz.

- K., de Bernardo Kucinski.

- O manuscrito secreto de Marx, de Armando Avena

- Caderno de Ruminações, de Francisco JC Dantas.

- Meninos perdidos, de Adriane Sarmento.

- Perdição, de Luiz Vilela.

- O inventário de Júlio Reis, de Fernando Molica.

 

Como o edital prevê apenas a divulgação do primeiro colocado, a decisão ficou para uma segunda apreciação com base nas obras previamente listadas. O resultado será conhecido em reunião a ser realizada na Casa de leitura de Laranjeiras em data marcada pela direção da Biblioteca Nacional.

Assim, nós, jurados da categoria Romance, subscrevemos esta ata.
 

Felipe Pena

Geraldo Moreira Prado

Erick Felinto

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O que realmente vale a pena


As crianças da ONG "Ler é 10, leia favela", que forma leitores no Morro do Alemão, durante o lançamento do livro Geração Subzero, na Biblioteca Nacional. Na semana passada, o coordenador da ONG, Otávio Jr. (à direita na foto) recebeu a primeira parcela dos direitos autorais do livro. Ele vai comprar uma Kombi para montar uma biblioteca itinerante.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O amor são duas solidões que se protegem


Ela ligou o rádio. O medo de ter medo de ter medo. Nina adorava o Renato Russo. Ouvia o dia inteiro, intercalando com a poesia do Rimbaud, os romances latino-americanos e a novela da Globo. Podia ser um recado personalizado se eu fosse capaz de entender. Bastava notar o aumento do volume no meio da música, sempre na mesma parte: o salva-vidas não está lá porque não temos.

Não notei. O salva-vidas não estava lá.

No primeiro ano, grudamos o couro um no outro até fazer ferida. Tínhamos que recuperar o tempo perdido. Outra música do Renato, eu sei. Mas nessa época ouvíamos Radiohead, Los Hermanos, Beatles e até nos divertíamos com a Lady Gaga, dançando seminus na varanda só pra escandalizar os vizinhos.

Nas noites calmas, as peel sessions de P J Harvey e o remix do Yolatengo disputavam espaço com o velho Miles Davis. Bebíamos o Chateau Laplanche no copo de geleia mesmo, mas só após a decantação.

- Deixa o vinho respirar, meu amor.

Os finais de semana eram todos prolongados. Nina chegava lá em casa na quinta e só ia embora na terça. Vida de casado, eu achava. E continuei achando. Ela separou metade das gavetas do closet, transferiu minhas camisas para o quarto de hóspedes e hospedou os sapatos no lugar da coleção de fitas VHS, devidamente catalogadas no armário da biblioteca. Bora digitalizar esse negócio, Antonio!

Concordei.

Nem o que havia de mais perturbador na minha rotina intelecto-urbana era um estorvo. Pelo contrário. Eu gostava dos jogos infantis, das interrupções no meu trabalho, do raciocínio perdido. Há uma certa sedução na ingenuidade. Ou na crença na ingenuidade.

Nina preparava pequenas surpresas em efemérides do calendário judaico-comercial-cristão. Na Páscoa, separou cascas de ovos e pintou-as delicadamente como se fossem obras astecas, deixando-as em um cesto na porta do meu escritório. No Natal, fez um imenso cartão em forma de mosaico com fotos de nossa viagem pela Europa. No meu aniversário, construiu uma bandeja para o notebook, acompanhada de uma proteção de tela com o rosto do incrível Hulk. Você é meu Bruce Benner, dizia, estimulando raios gama por métodos pouco ortodoxos.

E voltava pra minha biblioteca, tentando sorver tudo que encontrava nas prateleiras. Literatura russa, sociologia americana, história francesa, filosofia alemã. Só parava pra ver a novela e o paredão do Big Brother.

Ela conseguia fazer essa mistura entre versos alexandrinos e cantigas de ninar (incluindo o trocadilho). Como se a Silvia Plath e uma líder de torcida habitassem o mesmo corpo. Num dia líamos A superação da metafísica, do Heidegger. No outro, dançávamos o Ilariê da Xuxa. E, porra, eu morro de vergonha desse alemão pós-niilista. Prefiro o concretismo da loura, embora jamais tivesse tempo de acompanhar sua pedagogia. Além de não ter nenhum tesão nas paquitas.

Meu negócio é a Nina mesmo.

Seria injusto dizer que metade das minhas crônicas foi inspirada na sua transcendência eslavo-tupiniquim-televisiva. Era muito mais que isso. Todas as crônicas, todos os livros, todos os verbos, advérbios, adjetivos, concordâncias e discordâncias da minha lexicografia primária foram criados pelo dicionário de Nina. Tudo estava nela. Sem exagero. Podem acreditar: não tô pagando paixão. Apenas consignando um fato concreto, lúcido, racional.

Ainda assim, não fui capaz de perceber sua angústia. Não consegui dançar nas entrelinhas. Não olhei pra cima. Não cavei a terra. Não joguei as cartas do tarô. Não li o poema do Carpinejar.

Descobre-se um amor na iminência de perdê-lo.


Além de jornalista e escritor, Felipe Pena é doutor em Literatura pela PUC, pós-doutor em semiologia pela Sorbonne III e professor da UFF. É autor de 12 livros, entre eles os romances Fábrica de Diplomas, O marido perfeito mora ao lado e O Verso do cartão de embarque.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Ainda congelados



A resenha de João Cezar de Castro Rocha sobre o livro “Geração Subzero”, publicada na última edição do Prosa & Verso, pode ser lida com uma mistura de alívio e apreensão por aqueles que apreciam a literatura de entretenimento no Brasil. Começo pelo alívio: seria uma enorme incoerência que uma coletânea de autores congelados pela crítica fosse elogiada justamente por um crítico de ofício. Caso isso acontecesse, que credibilidade ela teria junto aos leitores?

Entretanto, apesar de reconhecer méritos na crítica de Rocha, também devo apontar seus equívocos. O primeiro deles está na metodologia. Em vez de se debruçar sobre todos os contos da coletânea – como fez Felipe Charbel na resenha sobre a revista Granta – Rocha dedicou mais da metade de suas linhas aos conceitos expressos na introdução do livro. Ao considerar a conceituação anacrônica, argumentou que ela se apoia em um falso dilema entre narrativa e experimentação, pois, segundo ele, “a novidade mais relevante da literatura brasileira refere-se à superação desse falso dilema.”

Ora, a premissa em si já traz uma contradição: afinal, se o dilema é falso, como a sua superação poderia ser relevante? O fato, no entanto, é que o dilema é verdadeiro e ainda não foi superado. Basta observar a produção literária contemporânea para perceber que boa parte dos autores incensados pela crítica universitária continua refém do experimentalismo, sem a preocupação de construir personagens e tensões, conforme também constatou Felipe Charbel em sua resenha sobre os contos da Granta brasileira.

Aliás, o poder da crítica universitária é outro tema levantado por Rocha que o leva a uma contradição. Ou melhor, a um ato-falho. Embora afirme que tal poder deixou de existir há décadas, o crítico vale-se de sua posição acadêmica para decretar que a coletânea “Geração Subzero” deveria ter sido publicada sem qualquer reflexão. Ou seja, ele sugere que o entretenimento dispensa o diálogo com o pensamento sobre a literatura.

Paro por aqui. Um organizador de coletânea com responsabilidade deve parabenizar o crítico pela disposição em analisar textos que são estranhos ao seu universo de estudos. Contudo, ele também não pode deixar de se surpreender com a disparidade de métodos do mesmo crítico em suas análises. Ou, para aplicar o clichê que tanto o incomoda, com a utilização de dois pesos e duas medidas, conforme se pode depreender deste pequeno trecho do texto publicado recentemente por Rocha em um jornal paulista: "No espaço de uma resenha não posso fazer justiça aos excelentes 20 textos escolhidos (para a Granta)."

A pergunta que faço é simples: pode-se fazer justiça aos 20 textos escolhidos para a Geração Subzero através da análise de apenas quatro? Isso sem mencionar que tal análise foi feita a partir de preceitos formalistas, observando-se erros de revisão e estrutura linguística, sem levar em conta os enredos.

 O professor Rocha já conquistou seu espaço na academia e na crítica com méritos e louvor. É um estudioso celebrado, com obras importantes e participações em eventos de destaque, como a FLIP e as bienais do Rio e São Paulo. O próximo passo, porém, exige que se dedique a aprimorar a capacidade de se despir de seus preconceitos com a literatura de entretenimento. No fundo, é o que importa, pois crítica não pode ser sinônimo de descaso com nenhum gênero literário.

Mesmo que seja apenas para congelá-lo e manter o alívio dos leitores.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

terça-feira, 26 de junho de 2012

Resenha do livro Minda-Au


Um autor em busca de tradução



Os homens sem alma não sorriem. Os homens sem alma carregam pastas. Os homens sem alma caminham pela Rua XV, em Curitiba, cidade que serve de cenário para os sete contos do livro de Marcio Renato dos Santos, cuja carreira no jornalismo e na crítica cultural já é conhecida em todo país.

            O autor mora na capital paranaense e a expressão “homens sem alma” é cotidianamente repetida por ele, como um mantra, em suas conversas com amigos e colegas de redação. Duas informações que já seriam suficientes para identificar o teor autobiográfico de seus textos. Mas ele é ainda mais incisivo. O tom confessional começa no próprio título: Minda-Au foi a tradução que encontrou para a palavra dromedário quando tinha menos de uma ano de idade.

            A partir desta palavra, ele diz que começou a se tornar Marcio Renato dos Santos. Ou seja, foi através da linguagem que começa a ter identidade. Ou, pelo menos, a buscar essa identidade. O que fica ainda mais evidente nas influências literárias de seus contos. Em “O espírito da Floresta”, por exemplo, o realismo fantástico o aproxima de uma determinada vertente da literatura latino-americana. Já em “De teletransporte nº 2”, Marcio subverte a pontuação, ignorando vírgulas e parágrafos, em um claro tributo a José Saramago.

            Mas é no conto “Ali, agora”, o último do livro, que o autor se revela com mais intensidade, ao homenagear seu mestre, um escritor cujo nome não é mencionado. Só sabemos que ele morreu de câncer, com mais de sessenta anos. E que, além de habitar a mesma Curitiba, traduziu-a em palavras.

            Minda-Au é o livro de um autor em busca da mais difícil das traduções. Seus contos ultrapassam a metalinguagem e as estratégias narrativas, pois não há nada mais complexo do que traduzir a si mesmo.

E é preciso muita coragem para tentar.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Geração subzero


        As coletâneas costumam ser pretensiosas e elitistas. A revista Granta, por exemplo, teve a pretensão de apresentar os vinte melhores autores brasileiros com menos de quarenta anos. Mas que critérios definem os melhores? E quem define esses critérios? Figurinhas carimbadas pela “mídia especializada” e referendadas pelas panelas literárias levam vantagem nessa escolha?

            Talvez a atitude mais honesta seja assumir que a escolha é pessoal, como fez o crítico Nelson de Oliveira, organizador do livro Geração 00, que, ainda assim, manteve o caminho da pretensão, ao tentar reunir os melhores autores de uma década.

            Esses autores não estão preocupados com os leitores, mas apenas com a satisfação da vaidade intelectual, baseando suas narrativas em jogos de linguagem que têm como objetivo demonstrar uma suposta genialidade. É estranho que boa parte deles manifeste preocupações sociais e tendências políticas progressistas em suas entrevistas, enquanto suas práticas profissionais os levam a uma torre de marfim representada por feiras e festivais que os mitificam como ícones da literatura para aqueles que também se enxergam como elite.

            Felizmente, há uma massa de leitores no país que ignora essa tentativa de forjar novos cânones para a literatura. É um público que se preocupa apenas com o prazer da leitura, com a relação afetiva com o livro, com as reflexões que uma história bem contada pode provocar e com a socialização dessas histórias e dessas reflexões. Sim, a socialização, pois aquele que tem prazer na leitura sempre recomenda o livro ao amigo mais próximo.

            É para esse leitor que a coletânea Geração Subzero foi organizada. Aqui estão vinte autores congelados pela “crítica especializada”, mas adorados pelo público. Este livro não é uma antologia. Os contos e autores não têm a pretensão de figurar entre os melhores de sua geração ou estilo. Tampouco foram escolhidos exclusivamente pelo organizador da obra, que apenas observou os nomes comentados em redes sociais, blogs, salas de aula e grupos de discussão cujo objeto era simplesmente o prazer da leitura, além de ouvir os signatários do Manifesto Silvestre, um documento que defende o entretenimento como conceito de valor na literatura.

            Todos os autores aqui reunidos cederam seus direitos autorais para a ONG “Ler é dez, leia favela”, que forma leitores no Complexo de favelas do Alemão, no Rio de Janeiro. Como Silvestre da Silva, personagem de Camilo Castelo Branco no livro Coração, cabeça e estômago, os escritores da Geração Subzero colocam a cara na vidraça e esperam pelas pedras e flores. Mais pedras do que flores. Os trocadilhos vão causar indigestão e os intelectualismos, cefaleia. Mas o coração não será atingido.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A saudade é minha culpa

As frases não ditas são eternas. Não era o que eu queria dizer. Nem o que o ela teria dito. Mas já estava lá, escrito, como se fosse para nós. O que ficou de você em mim foram os fragmentos, polímeros, fractais, resíduos.
E o teu queixo no queixo do meu filho. Teu genoma em cada livro. Tua face em cada linha. Teu sangue em cada frase. Minhas frases, tuas digitais, e teu queixo, teu texto. O que você lê agora é o que resta nos olhos do rufião. Sobrevivi a expensas de galanteador, mas não voltei a me encontrar. Depois de você, todas tinham o mesmo defeito: nenhuma delas era você.
Nunca nenhuma delas será você.
Os outros são nossos narradores. Não há fuga possível para o discurso alheio que nos constrói. Estamos à mercê dos advérbios que não queremos, dos adjetivos que não merecemos, dos pronomes que foram trocados (de propósito). Nossa história não nos pertence. Não temos tempo. Tempo é expectativa. É o portão de ferro da angústia.
Mas se você estivesse aqui, tudo seria diferente! Se você estivesse aqui, pela oitava e única vez, prometo que tudo seria diferente. Se você estivesse aqui, eu ouviria os comentários sobre meu egoísmo, concordaria com as mudanças, aceitaria as críticas, não me importaria com a verdade.
Se você estivesse aqui, o teu egoísmo não seria necessário.
Se você estivesse aqui, alugaríamos um apartamento bem pequeno para que os desencontros acabassem se encontrando.
Se você estivesse aqui, chegaríamos no mesmo passo, enfrentaríamos a chuva, dividiríamos a capa e a marquise.
Se você estivesse aqui, comeríamos no mesmo prato, dividiríamos a carne, beberíamos o licor no copo de vinho.
Se você estivesse aqui, levaria teu avô ao médico, cuidaria do teu pai, educaria teu irmão e te daria um filho.
Se você estivesse aqui, arrumaria um quarto pra tua mãe, fingiria que gosto dela e ainda acreditaria nos elogios.
Se você estivesse aqui, dormiríamos até mais tarde, com a cortina fechada e o mundo lá fora, sem importância.
Se você estivesse aqui, passaria o creme nos teus pés depois de lixar tuas unhas pra te livrar da solidão.
Se você estivesse aqui, eu me sentaria na beirada da cama por duas horas, com o paletó fechado, enquanto você escolhe o vestido da festa.
Se você estivesse aqui, puxaria o zíper até o final das costas, deixando minha respiração no pescoço perfumado.
Se você estivesse aqui, sairíamos pela noite da cidade iluminada, veríamos o filme do cineasta desconhecido, descobriríamos um restaurante íntimo, escolheríamos o prato da casa, cruzaríamos a ponte e veríamos o barco pela proa.
E tudo mais. Tudo que você sempre quis:
Ouvir Indian Maracas, do Pelv’s. Dançar na batida do Bob Sinclair. Degustar o macarron da esquina. Ler a bíblia do Roberto Bolaño. Ver a exposição do Albuquerque Mendes. Assistir à montagem do Cyrano. Ir ao show do Radiohead e não se conter na quarta música da lista. I wish I were special.
Se você estivesse aqui, eu teria evoluído.
Mas você não está.
Quando foi embora, deixou-me a culpa e o atraso.

Escritor

terça-feira, 5 de junho de 2012

Resenha do livro "Um erro emocional"

Numa noite inspirada, durante a Feira Literária Internacional de Paraty de 2009, o escritor português António Lobo Antunes resumiu o que pensava sobre a recepção de sua obra pelo público com uma pequena frase de efeito: “o nome do leitor é que deveria vir na capa do livro, não o do escritor.”
Na plateia, o escritor brasileiro mais premiado do ano anterior buscava um diálogo imaginário com seu colega luso: “claro que sim, pois o leitor é que realiza o livro,” respondeu Cristóvão Tezza, vencedor dos prêmios Jabuti, São Paulo, APCA, Portugal Telecom, Bravo! e Zaffari & Bourbon de literatura com o romance O filho eterno, uma obra declaradamente autobiográfica que tem na fluência dramática seu grande mérito narrativo.
A preocupação com a resposta do leitor parece presente em quase todos os livros de Tezza. Não apenas pela já referida fruição, mas, também pelo flagrante desejo de contemplação que permeia seu texto. Consciente de que “os escritores são animais agonizantes e que se deve ter cuidado ao tocá-los”, como diz a personagem principal de seu mais novo romance, o autor catarinense escancara essa relação de dependência em seus diálogos, mas constrói elipses estratégicas para que eles, os leitores, possam grafar o nome no gigantesco espaço acima do título.
Nesse sentido, Um erro emocional é um livro para ser assinado por quem o lê. O enredo trata da conflituosa relação entre um escritor e sua leitora, dois seres que, aparentemente, habitam mundos diametralmente opostos, mas cuja interdependência permite uma aproximação pela própria história que os conduz. Paulo, o escritor, acredita ter encontrado a leitora ideal. Beatriz, a leitora, idealiza o autor através de seus livros. E não é disso que trata a literatura, ou melhor, a própria vida: idealização?
Os personagens sabem que os sentimentos carregam a mediação de conceitos e juízos de valor. Então por que não se deixar mediar pela palavra, a mãe de todas as mediações? É assim que os personagens se tornam cúmplices e revivem seus fracassos amorosos, suas frustrações e seus sonhos interrompidos.
Mas não se engane: este não é um romance metalinguístico. Embora tenha escolhido um escritor como personagem principal e até cite alguns autores modernosos durante o livro, Tezza não abre mão de sua marca principal: a história bem contada. Novamente, é o universo dramático que enreda a trama, levando o leitor a se tornar testemunha privilegiada dos acontecimentos. E isso é feito através de uma elaborada carpintaria literária.
Pra começar, os personagens não falam entre si. Entretanto, o que poderia parecer um recurso banal ganha originalidade na construção narrativa do autor. Mais do que explorar os diálogos interiores e discursos indiretos, Tezza nos conduz por atalhos abertos pelos coadjuvantes. São personagens de fundo - como Claudia, Cássio, Doralice e Donetti, por exemplo - que nos revelam as ações dos protagonistas, Paulo e Beatriz.
Tal configuração estilística talvez seja consequência da maneira como o romance foi se formando. Um erro emocional seria apenas um dos contos de uma antologia encomendada pela editora Record. Mas a complexidade da personagem Beatriz fez com que o autor esticasse a trama. A partir daí, ele costurou a relação com os demais personagens, cujas biografias foram construídas no interior do conflito principal.
Se fosse outro escritor, o resultado poderia parecer volátil. Mas, ao lembrar que a obra só se completa na recepção (uma característica ignorada por muitos autores), Cristóvão Tezza nos entrega um livro perturbador, original e com lacunas bem dosadas, deixando para o leitor a prazerosa tarefa de se embrenhar pelas costuras e escrever o próprio nome na capa.

Algumas capas

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Dilma e o amor juvenil

Nada como um amor juvenil. Os fiapos de pêlo surgindo no rosto, os hormônios transbordando, a insegurança perene. O amor juvenil é sincero, úmido, urgente. Amor de peixe, com as guelras inundadas e o oceano pela frente. O amor juvenil não precisa de explicação, é autorreferencial, um vício desde o início, como diria o Caetano. Mas o melhor dos vícios, cuja dependência é tudo que queremos.
Dilma se casou com um amor juvenil. É verdade que ela já não era tão juvenil assim: tinha o cabelo pintado, um passado de guerrilha e já espalhava creme da Victoria Secret’s por todo o corpo. E ele... Bem, ele era ainda mais velho, com uma barba cerrada que a machucava, algumas rugas de expressão e boas histórias pra contar. Mas não tinham dúvidas: eram ambos adolescentes, passionais, loucos. Eram ambos irresistíveis um para o outro.
Impossível não lembrar das vezes em que andavam de mãos dadas pelas ruas de um certo balneário. Em uma delas, durante um passeio pela orla, ele a pediu em casamento. O dia estava feio, nublado, avesso a qualquer tipo de romantismo. Mas o garoto primava pela criatividade, alimentada pela paixão hormonal e por um senso de oportunidade inigualável. Dilma nem imaginava que estavam comemorando cento e vinte dias de namoro. Para ela, só havia comemorações em datas redondas: um mês, um ano, quem sabe uma década. Contar os dias era impossível.
O adolescente apaixonado pensava de outra forma. Não enxergava pieguice em nenhuma manifestação amorosa. Para ser completo, o amor precisava ser ridículo, precisava de extravagâncias e, acima de tudo, precisava de testemunhas. No meio da caminhada pelo calçadão, ele a convidou para almoçar. Um convite estranho para o horário: onze e meia da manhã. Mas ela não recusou, nem mesmo quando recebeu a pequena faixa de pano e o pedido para que vendasse os olhos.
- O que é isso, Luís Inácio?
- Confia em mim, meu amor.
Andaram por mais alguns metros até uma pequena escada que levava à praia. A areia penetrou nas sandálias, deixando-a ainda mais intrigada. Vamos almoçar à beira-mar? Calma, estamos chegando. Não chovia, mas um vento frio entrava pela lateral da blusa, arrepiando a pele já umedecida pela ansiedade. Os passos lentos no solo fofo tornaram o trajeto um pouco mais demorado que o previsto. Vendada, Dilma aproveitava os outros sentidos para se localizar. Ouvia poucas vozes. O cheiro de maresia ficava mais forte a cada passo, embora se misturasse com um aroma incomum, de difícil identificação. Um gosto doce tomava conta do palato, talvez influenciado pelo tal aroma desconhecido.
Quando sentiu a água bater nos tornozelos, Luis Inácio pediu que parasse de andar. Apesar do vento, o mar estava calmo, como se fosse um dia de verão. O namorado a pegou pelos ombros, posicionou-a em direção ao horizonte e só depois permitiu que retirasse a venda, o que ela fez com toda a calma do mundo, saboreando o momento. Os olhos demoraram alguns segundos para se acostumar com a luz, tornando a cena ainda mais intensa, já que a imagem apareceu paulatinamente, como um espetáculo que se descortina para o espectador.
Cento e vinte barcos de papel machê navegavam em círculos. Nas pequenas velas que os impulsionavam era possível ver o nome dela escrito com letras góticas, além de um coração estilizado que o envolvia. Os amigos do casal, todos adolescentes, aplaudiam o gesto romântico, do qual haviam sido cúmplices e artífices. Dos dedos de Luis Inácio surgiu uma linha de naillon presa a um dos barquinhos, que estava próximo da areia. Ele puxou o fio lentamente, em movimentos sincronizados, para não derrubar a embarcação. Na ponta do mastro, havia uma aliança de ouro cuidadosamente amarrada, cuja gravação no interior trazia o nome de ambos e um sinal místico que só eles compreendiam. Não foi preciso dizer mais nada, apenas ouvir a resposta.
- Eu aceito.
Os amigos ergueram os copos em torno da gigantesca toalha estendida na areia, cujos isopores com cerveja dividiam espaço com doces e salgados comprados numa padaria do bairro. As lágrimas eram coletivas. Nunca antes na história desse país, um amor fora tão celebrado.
Depois do almoço, Luís Inácio colocou o isopor na cabeça e partiu com a namorada. O amor juvenil precisava de atitude. O amor juvenil precisava ser carregado.
* Felipe Pena é jornalista, escritor e professor da UFF. Doutor em literatura, é autor de 12 livros, entre eles o romance “O verso do cartão de embarque”.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Uma história de suspense

SINOPSE
Uma estudante de farmácia da maior universidade do Brasil é baleada no campus durante o intervalo de uma aula. O psicanalista Antonio Pastoriza é chamado pelo reitor para investigar o crime e descobre a participação de um estranho personagem, que é, ao mesmo tempo, analfabeto e universitário.
Atormentado pelas dúvidas sobre os métodos utilizados pela profissão que escolheu, Pastoriza reencontra uma ex-namorada, envolve-se em uma disputa pessoal com o chefe de polícia e se vê no meio da guerra entre milícias e traficantes pelo controle de uma nova droga sintética produzida no laboratório de farmácia da universidade.
No curso das investigações, o psicanalista percebe a decadência do ensino superior no país e a disputa comercial por alunos/clientes entre as instituições privadas, reforçada pela chegada de inescrupulosos investidores estrangeiros, interessados em participar do nosso milionário mercado da educação.

terça-feira, 22 de maio de 2012

sábado, 19 de maio de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Papo de mulherzinha - o jantar cancelado

Ontem, recebi um desses e-mails de mulherzinha. Sou ligada na internet, mesmo. É minha melhor companhia, doutora. Na rede, posso ser quem eu quiser. A Angelina Jolie, a Gisele Bünchen, a Jéssica Biel. Dá até pra ser a mulher maravilha, com cintinho vermelho e tudo. Na internet, a Olga não existe. Ninguém me conhece. Ninguém sabe meu peso, minha altura, a cor do meu cabelo. Não sabem se estou na TPM, se comi cebola crua, se quero matar a mãe do Carlinho. Não, não quero matar a tua mãe, Carlinho! É só força de expressão. Deixa de ser paranóico!

Posso falar do e-mail, agora? Fica calado um minuto, Carlinho! Isso é terapia de casal, tem que dar um espaço pra mim.

É o seguinte: o cara chama a mulher pra jantar. Não, não é real. Tô só contando o que tava no e-mail. Começa assim: com um convite pra jantar. É de manhã e o convite é pro final do dia, claro. A mulher aceita como se fosse a coisa mais natural do mundo, mas sabe que seu inferno astral acaba de chegar. Ela tem que estar preparada. Primeiro, entra numa dieta zero pra não parecer gorda no primeiro encontro. Fica a manhã inteira só bebendo água, mas quando está quase desmaiando come uma fatia de queijo e duas barras de chocolate. Acaba engordando o dobro.

Depois tem que fazer pé e mão. Não é frescura. Pode estar nevando pra você usar suas botas de cano alto. Não importa. Se o sujeito resolve ir a um restaurante japonês, já era. Aquela cutícula do tamanho de uma azeitona vai ficar do lado de fora. Ou você acha que a meia esconde essa unha horrível? Com o cabelo é a mesma coisa: hidratação, escova, retoque da raiz. Pronto, a tarde já foi embora. E ainda tem a depilação. Pois é! Vai que rola alguma coisa!? Então também tem que usar uma lingerie apertada na bunda, daquelas que incomodam mais do que pêlo encravado, porque ninguém fica com tesão em calcinha cor da pele. E se é assim, vale uma passada correndo no shopping pra comprar um vestido novo. Mas como o Zé Mané nunca comunica pra onde vai te levar, você não sabe o que escolher: fica que nem um zumbi vagando pelos corredores, louca, insana, desesperada. Sem falar na maquiagem, no banho com sais, na esfoliação com esponja de aço.

A hora já chegou e você está em pânico. Mesmo assim, fica prontinha para o encontro. Não atrasa nem um minuto.

Só que, faltando trinta segundos, ele te liga pra cancelar. Pintou um problema aqui no escritório, querida. Dá vontade de cravar o salto na cabeça do infeliz!

É assim que eu me sinto, doutora. Faço tudo pela gente, mas o Carlinho sempre cancela nosso jantar. Não interessa que eu tenha separado cílio por cílio com um palito de dentes, que tenha caprichado no rímel, malhado glúteo, usado sabonete aromático, feito massagem. Que tenha me encolhido num vestido micro, sem respirar, só pra parecer mais sensual. Que não sinta mais os dedos do pé devido ao princípio de gangrena por causa do sapato de bico fino. Não importa. Pra ele, tudo é muito simples: basta colocar uma calça jeans, vestir a camisa pólo e calçar um sapato qualquer. Pode cancelar o mundo que nada de grave vai acontecer. Não é isso, Carlinho?

Foi só um e-mail, doutora. Mas bateu fundo. Nem sei quem é o autor. Deve ser um desses textos anônimos que circulam pela internet. Mas pareceu escrito pra mim. Só pra mim.

Minha vida é um jantar cancelado.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Se você estivesse aqui

Se você estivesse aqui, tudo seria diferente!

Se você estivesse aqui, pela oitava e única vez, prometo que tudo seria diferente.

Se você estivesse aqui, eu ouviria os comentários sobre meu egoísmo, concordaria com as mudanças, aceitaria as críticas, não me importaria com a verdade.

Se você estivesse aqui, o teu egoísmo não seria necessário.

Se você estivesse aqui, alugaríamos um apartamento bem pequeno para que os desencontros acabassem se encontrando.

Se você estivesse aqui, chegaríamos no mesmo passo, enfrentaríamos a chuva, dividiríamos a capa e a marquise.

Se você estivesse aqui, comeríamos no mesmo prato, dividiríamos a carne, beberíamos o licor no copo de vinho.

Se você estivesse aqui, levaria teu avô ao médico, cuidaria do teu pai, educaria teu irmão e te daria um filho.

Se você estivesse aqui, arrumaria um quarto pra tua mãe, fingiria que gosto dela e ainda acreditaria nos elogios.

Se você estivesse aqui, dormiríamos até mais tarde, com a cortina fechada e o mundo lá fora, sem importância.

Se você estivesse aqui, passaria o creme nos teus pés depois de lixar tuas unhas pra te livrar da solidão.

Se você estivesse aqui, eu me sentaria na beirada da cama por duas horas, com o paletó fechado, enquanto você escolhe o vestido da festa.

Se você estivesse aqui, puxaria o zíper até o final das costas, deixando minha respiração no pescoço perfumado.

Se você estivesse aqui, sairíamos pela noite da cidade iluminada, veríamos o filme do cineasta desconhecido, descobriríamos um restaurante íntimo, escolheríamos o prato da casa, cruzaríamos a ponte e veríamos o barco pela proa.

E tudo mais. Tudo que você sempre quis:

Ouvir Indian Maracas, do Pelv’s. Dançar na batida do Bob Sinclair. Degustar o macarron da esquina. Ler a bíblia do Roberto Bolaño. Ver a exposição do Albuquerque Mendes. Assistir à montagem do Cyrano. Ir ao show do Radiohead e não se conter na quarta música da lista. I wish I were special.

Se você estivesse aqui, eu teria evoluído.

Mas você não está.

Quando foi embora, deixou-me a culpa e o atraso.