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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Entrevista para o jornal O Estado de Minas

Entrevista para O Estado de Minas

1)Depois de lançar oito livros acadêmicos, de publicar dezenas de artigos científicos, e de se enveredar também pelo jornalismo, você resolveu abraçar a ficção, e publicou dois romances: O analfabeto que passou no vestibular, e O marido perfeito mora ao lado. Como se deu esta metamorfose, pretende continuar ficcionista? A experiência tem lhe agradado?

Eu sou um acadêmico. É minha formação, sou professor da UFF. Fiz mestrado e doutorado em literatura e hoje oriento teses. Mas certos hermetismos universitários sempre me incomodaram. A linguagem da academia, às vezes, é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais alguns professores se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. E isso se reflete na literatura. Claro que há boas exceções e é necessário valorizá-las.

O fato é que eu sempre tive o desejo de ser romancista, mas não queria reproduzir o que vem sendo feito pelos escritores da minha geração (com até 39 anos), que optaram por seguir determinados ditames da crítica que são referendados por uma certa mídia especializada em literatura (novamente, há as boas exceções). Por exemplo, ainda que aprecie a metalinguagem e os jogos experimentais, não tenho vontade de enveradar por esse caminho. Tampouco tenho interesse nos enquadramentos de gênero. Meu único objetivo é contar uma história. Passei quase cinco anos anos escrevendo este livro com os olhos voltados para a carpintaria da narrativa. É isso que me interessa: a história, a narrativa, a tecelagem da palavra.

Pretendo continuar como ficcionista. Alguns amigos escritores têm feito considerações muito generosas. E recebi muitos elogios dos críticos que entenderam a proposta do livro. Isso tudo me anima a continuar. Não espero por prêmios, mas se eles vierem ficarei, nas palavras do Jamelão, como pinto no lixo: honrado e feliz.


2)Até onde ficção e realidade se misturam nos seus relatos?. A vida, às vezes, realmente suplanta a ficção?

Começo pelo título, que está ali para confundir, não para esclarecer. Ele é uma clara tentativa de não ser enquadrado em qualquer gênero. Tive a ideia quando alguém me contou que o "Raízes do Brasil" é colocado por alguns livreiros na estante de botânica. Então pensei em um título que pudesse ser confundido com auto-ajuda. Mas nem todo mundo entende. Houve um resenhista contratado por um grande jornal brasileiro que se recusou a fazer a resenha.

Tudo é ficcional nos limites que você mesmo alocou na pergunta, pois a vida, de fato, suplanta a ficção. Mas o livro conta uma história banal, que se passa com todos nós: um história sobre a incomunicabilidade entre homens e mulheres. Só que eu tento fazer isso misturando ironia e drama. O marido perfeito mora ao lado é um livro sobre o desejo. Conta a história de uma mulher insatisfeita com o casamento que tenta entender os motivos que a levaram àquele impasse. A partir daí, são apresentados conflitos que podemos identificar em nós mesmos, em nosso cotidiano.

3)O fato de ser psicólogo, de às vezes ouvir, como "um padre", as confissões das pessoas, contribuíram de uma forma ou de outra para a sua obra ficcional?

Sim, contribuíram. Mas não uso nenhuma das histórias que ouvi em consultório. Apenas aprendi a ter um ouvido treinado para os argumentos femininos, o que me ajudou muito na hora de escrever utilizando a voz de uma mulher. Além disso, a profissão também me ajuda no aprofundamento dos personagens, na concepção de seus dramas e na elaboração dos conflitos.

4)O professor João Assafim chegou a ver semelhanças entre seus relatos e a obra de Nelson Rodrigues..Você concorda, de certa forma se identifica com este escritor?

Seria muita pretensão minha aceitar a comparação com o Nelson Rodrigues. Alguns professores e jornalistas enxergaram essa semelhança e eu fico lisonjeado. Mas é o tipo de elogio que guardamos e não comentamos. Obviamente, fui influenciado pelo Nelson. Li a obra completa dele. Mas também fui influenciado pelo Otto Lara Resende, pela poesia do Drummond, por Balzac e por tantos outros que tenho até medo de citar alguns e esquecer os demais. Além disso, Sou influenciado pelo cinema, pela música, pelo teatro e pela própria TV.


5)No seu entender, o ser humano, é realmente um eterno insatisfeito? Temos medo de ser felizes, como afirmou Ernest Becker, em A negação da morte?. Ou o que disse Antonio Pastoriza, "que só valorizamos o que está ausente"?

Sim somos eternamente insatisfeitos. O desejo investe no vazio, naquilo que não temos. Mas isso também pode ser bom. O dia em que eu disser que realizei todos os meus desejos, estou morto. A insatisfação nos angustia, mas também nos faz seguir adiante. Ela é mobilizadora. Freud e Lacan trataram muito bem do tema.


6)Afinal de contas, por que o marido perfeito mora ao lado?

Como disse, o título está lá para confundir, não para esclarecer. Há várias chaves de leitura (embora não goste desse conceito). Um delas é sobre o desejo, outra pela questão de gênero, mas cada leitor vai encontrar uma explicação diferente para o título e eu valorizo isso. Como disse o Lobo Antunes na FLIP de 2009, o nome do leitor é que deveria vir na capa, não o do escritor.


7)Algum projeto novo em andamento? O que você tem feito, além de dar aulas na Universidade Federal Fluminense?

Estou escrevendo dois roteiros: um para cinema e outro para TV. Além disso, o "marido" será encenado no teatro no ano que vem e já comecei a escrever meu terceiro romance, que também é uma história de amor. Sou um otimista: acredito na palavra. Ao contrário do que apregoaram certos apocalípticos, a popularização da tecnologia valorizou a escrita e, portanto, aumentou o interesse pelo texto, pela palavra. Há leitores neste país, mas é preciso respeitá-los. É preciso produzir narrativas que não sejam meros exercícios de egocentrismo e/ou missivas elípticas endereçadas aos pares. Escrevemos para sermos lidos, o que deveria ser óbvio, mas parece um pecado mortal no sacro universo de alguns escritores da minha geração, cujo desejo maior é o de ser estudado e não o de ser lido. Ou seja, não estão interessados em leitores, estão interessados em bolsistas de mestrado.
C.S. Lewis dizia que a grande leitura não exige perícia ou força; exige, ao contrário, desarme e paixão. Lewis era um defensor do leitor leigo, “comum”, ou seja, “aquele que lê sem nada esperar, que lê simplesmente porque o livro o agarra e ele não consegue mais largá-lo”. Concordo plenamente.