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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Carta de Jack para o goleiro Bruno (escrita pelo aluno Aurélio Albuquerque)

Bruninho,

Não penses que foi fácil escrever-te. Nada é muito fácil depois que se não está e que não se é. Os meios de comunicação intramundos inda estão todos em mãos dos religiosos e minha luta por aqui tem sido pela laicização deles. Entretanto, enquanto isto não acontece, fui a um centro espírita recomendado por um corsário inglês à guisa de, pura e simplesmente, fazer contato contigo.

Neste ano que termina, pude acompanhar com alto grau de emoção, todo o desenrolar de tua história. Parabéns – hei de confessar que mereces. Se permitires, agora, te aconselho: jamais assuma. Os seres humanos não sabem conviver com a dúvida e, o fato de não confessares, os torturará tão sublimemente ao ponto de se assemelhar a uma obra de arte.

Lembro da época em que às ruas de Londres só falavam de mim. Está certo que, numericamente, estás muito longe de me alcançar, mas a matéria de tua poesia é da mesma qualidade: feminina. E não só isto, tens a preferência pelas putas. Sempre fui um apaixonado por elas e sempre estive disposto à contemplação não só de sua beleza exterior, mas, principalmente da interior: como eu gostava de lhes abrir o ventre e de lhes beijar as tripas! Quantas vezes, amigo, já dancei num quarto de hotel sobre um belo cadáver de mulher.

Aqui neste outro mundo, que é o mesmo, mas é outro, estive pensando em que belo trabalho realizaste com o cadáver para ocultá-lo do mundo: a obra foi tão sublime que quiseste guardá-la só para ti e para tua memória? Ah, como fizeste lembrar-me dos meus tempos de glória, tempos em que se valorizava o trabalho do assassino e em que todo crime contava com o labor e com o suor. Veja hoje, com estas bombas, com estas armas de destruição em massa, com o excesso de tecnologia… perdeu-se a arte, perdeu-se o contato, perdeu-se a magnitude que há em abrir um ventre ou torcer um pescoço. Sorte que ainda há artistas como tu.

Alegro-me duplamente, embora não seja exatamente um patriota, ao saber que meu país influencia tão positivamente o teu: primeiro com o futebol, matéria que hoje vós dominais melhor que nós e, também, com o avanço dos maníacos e assassinos por paixão (mais importantes que os por profissão) que têm se ampliado nestas terras em pleno desenvolvimento. Tenho uma teoria: quanto mais se desenvolve um país, melhor se tornam seus assassinos. Pois, não há coisa mais antiestética que matar por necessidade: parece apenas um mero ato vulgar e circunstancial de protesto social. Entretanto, matar sem propósito algum é um dom lotado de singelezas e preciosidades. Isto que me animou em tua atitude, o fato de não precisares matar, mas, ainda assim, teres matado.

Despeço-me aqui, jovem talento, despeço-me com o agradecimento por continuares as boas obras e boas práticas que comecei há quase dois séculos. Mande lembranças aos amigos de labor que andam por aí, seja àquele do Parque São Jorge, ou àquele casal da moça da novela, ou mesmo àqueles da garotinha da janela. Agradeça-os, pois me fazem saber que minha passagem pela vida não foi vã. Diga a eles o mesmo que direi a ti: ao final da vida, igualmente nos abraça a morte, então, mais vale a pena se divertir e dançar e nada melhor para isso que um belo corpo de mulher, morta.

Com admiração e algumas ressalvas,
Jack.

- Aurélio Albuquerque -