Quem sou eu

Minha foto
Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

sexta-feira, 26 de março de 2010

O casamento e o Desejo (crônica de hoje no JB)

Desejar é um verbo intransitivo. O desejo investe no vazio, naquilo que não temos. O marido rico, bonito e fiel só pode ter a unha encravada. A mulher boa é a da rua, já que não está na casa, claro. Só valorizamos o que está ausente, ou seja, aquilo que só percebo quando perco, porque, depois de perdido, ele se torna perfeito.

Assim é o desejo humano, atormentado por uma eterna insatisfação. Para toda demanda explícita, existe uma outra, implícita, que é inalcançável, pois sempre se renova. Estamos sempre insatisfeitos, mas, ao mesmo tempo, é essa insatisfação que nos move. Um paradoxo complexo, cuja melhor maneira de entender é não tentar entendê-lo, apenas assumi-lo.

Um bom começo é perceber que homens e mulheres têm cérebros diferentes. Existe uma região no lado esquerdo do encéfalo, chamada área de Werneck, cujo tamanho é duas vezes maior nas mulheres. Essa área é a responsável pela linguagem. Ou seja, as mulheres têm uma capacidade muito maior de transformar sentimentos em signos linguísticos e, por consequência, de se expressar. É por isso que discutem muito melhor a relação, enquanto os homens fogem como cordeiros apavorados. E isso se reflete no desejo. Na maioria das vezes, as mulheres associam sexo com sentimento, enquanto os homens, atraídos pelo visual, tendem a não dar tanto valor a esse tipo de associação. Mas é bom deixar claro que há muitas exceções. E ainda temos que levar em conta os aspectos culturais, psíquicos e sociais.

Então não tire conclusões precipitadas. Nada disso significa que o homem tenha uma tendência inevitável para a infidelidade, ou que a mulher seja sempre romântica. A tal da explicação darwiniana para a poligamia masculina é muito reducionista. O homem inteligente é fiel, valoriza o que tem. E o mesmo acontece com a mulher. Ambos fazem isso reinventando o desejo, criando fantasias, descobrindo outros no interior de si mesmo e explorando a diversidade que habita o imaginário do parceiro.

Há um vício antigo de só perceber um amor quando estamos na iminência de perdê-lo. Mas os homens e mulheres com senso crítico descobrem esse erro e passam a valorizar o que está dentro de casa, sem precisar recorrer a casos extraconjugais. Reinventam o desejo com criatividade, além de se dedicarem a pequenos gestos diários, como o simples ato de abrir a porta do carro, de elogiar o cabelo ou de perguntar como foi o dia no escritório.

Não acredite na velha história de que a grama do vizinho é sempre mais verde. Ou na tese de que ninguém é bom o suficiente para você. Casar pode ser a maior bênção de sua vida. Muitos dirão que o casamento é uma instituição falida, em crise, mas as pessoas continuam casando. Deve ter alguma coisa boa nisso aí!

Acredite, meu amigo: a crise não é do casamento, é do ser humano. E é perene, absoluta, inabalável. Tentamos administrar nossas neuroses diariamente. Mas deve ser melhor estar em crise acompanhado do que sozinho. Dividir angústias e compartilhar risadas ainda são premissas eficientes para manter um casal.

.