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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Crônica da semana passada no Jornal do Brasil

Os amores de Berenice


Cazuza queria a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida. Renato Russo citava Camões e o fogo ardia aos olhos do público, nítido, visível, contrariando o poeta português. Nada tão diferente, nada tão parecido. Porque assim é se lhe parece, concluiria Pirandello, na frase que já virou clichê.
Minha amiga Berenice também ouviu/leu todos esses caras, influenciada pelo pai, um tal de Racine, e pela mãe, a honorável Angela Dutra de Menezes. Mas, nos últimos dias, anda desiludida com os escritores. Acha que são seres que não aparentam ter amado e, portanto, estariam incapacitados para falar de amor.
Ah, Berenice! Leia Pirandello novamente. De que aparências você está falando? Sua mãe não lhe ensinou que a boneca Emília era real? E seu pai não falou sobre o Titus? É o imaginário que constitui a realidade do escritor, não o seu cotidiano. Esqueça as biografias, os relatos jornalísticos e todas as narrativas com pretensão de verdade. O que você procura está em outro lugar.
E o que é o amor, Berenice? Pergunta difícil, eu sei. Freud tentou responder, Jung também, Lacan idem. E toda uma estirpe de supostos cientistas da alma. Mas quem se importa com eles? Olhe pra você, que tanto critica as aparências. O que lhe parece? Diz aí, Berenice!
O beijo de parede, a pele quente, o perfume no suor, o cabelo puxado até o dorso? É isso o amor, Berenice? Então, o que é? A umidade, os planos, as palavras, o cubo mágico, a cumplicidade? É isso?
Uma caminhada pelo Pére Lachaise, a Carmen de Bizet, o chope do Jobi? Ou a noturna de Chopin? Os diálogos do Woody Allen, o Jim Morrison improvisando em The end, o último parágrafo de Cem anos de Solidão, a tapioca da baiana no Nativo, os jardins do Museu Rodin, o Tom Jobim sussurrando a canção que eu fiz pra te esquecer, a rede social em que trocamos segredos, teus olhos virando a página de um manuscrito? O que mais pode ser, Berenice?
Você não é uma discípula de Parmênides ou de São Tomé. Não que ver para crer. Não quer o real estereotipado. Seus amores invertem o axioma: as aparências desenganam, pois é a fantasia que move o desejo, que passa o creme no corpo, que usa o espartilho.
A mesma fantasia inscrita no livro que ele autografou. Aquele, lembra? A leitura na cama, cortando as frases, fazendo anotações nas bordas. A leitura nas entrelinhas, na margem, no rosto. A leitura em movimento. E uma Berenice trêmula, ofegante, urgente, roendo as unhas da mão esquerda e lembrando de tudo que, naquele momento, lhe parecia amor.
O amor na varanda, de madrugada, com o som alto e os vizinhos ruborizados. O amor no sofá. O amor de conchinha. O amor plural, embora singular no endereço. O amor de quem troca os pronomes e escreve uma crônica pra você. O amor de um escritor, para quem nada é o que parece, e cujas frases saem tortas e embargadas pela tua ausência.
Nosso amigo Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazju, transformava o tédio em melodia. E aí estava uma boa definição. O amor, Berenice, somos nós, na batida, no embalo da rede. Matando a sede na saliva.
E tudo mais que houver nessa vida.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Novo romance em pré-venda na Saraiva




Aí vai o link da Saraiva para O MARIDO PERFEITO MORA AO LADO:

http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/2870258/o-marido-perfeito-mora-ao-lado/?ID=C9112A247DA02121136281020

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Manifesto literário do Grupo Silvestre

MANIFESTO SILVESTRE

- Em defesa da narrativa, do entretenimento e da popularização da literatura –



Nós, autodenominados “grupo silvestre”, signatários deste manifesto, apresentamos algumas propostas para a literatura brasileira contemporânea.

1. Em literatura, entretenimento não é passatempo. É sedução pela palavra.
2. Tudo é linguagem, mas a narrativa é a base da literatura. Uma história bem contada é o objetivo que perseguimos.
3. A ficção brasileira precisa ser acessível a uma parcela maior da população. O que não significa produzir narrativas pobres ou mal elaboradas. Rejeitamos o rótulo de superficialidade. Escrever fácil é muito difícil.
4. Os academicismos, jogos de linguagem e experimentalismos vazios não nos interessam. Respeitamos a produção que segue estes parâmetros, mas nosso caminho é inverso.
5. Estamos preocupados com a formação de leitores assíduos e frequentes para a ficção brasileira.
6. A literatura não pode se limitar a uma elite que dita regras, cria rótulos e se autoenaltece em resenhas mútuas, eventos e panelas.
7. O autor pode e deve se esforçar pela disseminação de sua obra, o que significa se envolver com a distribuição, o marketing e demais processos da produção.
8. Gostamos de enredos ágeis e cativantes. E valorizamos títulos que chamem a atenção do leitor e despertem a vontade de chegar até o livro.
9. Não colocamos o desejo soberano de ser lido como única origem do processo criativo. Mas queremos espaço para aqueles que têm tal desejo.
10. Apesar da tão apregoada diversidade da prosa nacional, uma parcela da crítica acadêmica dividiu-a em pólos antagônicos. Quem não é moderninho, é superficial. E ponto final. Rejeitamos esse maniqueísmo que produz distorções, afasta leitores e joga sua névoa sobre o mundo literário.

Pedro Drummond
Luiz Antonio Aguiar
André Vianco
Luis Eduardo Matta
Felipe Pena
Eduardo Spohr
Estevão Ribeiro
Thomaz Adour
Barbara Cassará
Halime Musser
Helena Gomes
Raphael Dracon
Ana Cristina Rodrigues
Sergio Pereira Couto
Delfin
Vera Assumpção
Moisés Liporage
Humberto Moura Neto
Martha Argel


(e convidados)





segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Crônica da semana passada no Jornal do Brasil

Solano e Luana

Nada como um amor juvenil. Os fiapos de pêlo surgindo no rosto, os hormônios transbordando, a insegurança perene. O amor juvenil é sincero, úmido, urgente. Amor de peixe, com as guelras inundadas e o oceano pela frente. O amor juvenil não precisa de explicação, é autorreferencial, um vício desde o início, como diria o Caetano. Mas o melhor dos vícios, cuja dependência é tudo que queremos.

É verdade que Luana já não era tão juvenil assim: tinha o cabelo pintado, um passado de guerrilha e já espalhava creme da Victoria Secret’s por todo o corpo. E ele... Bem, ele era ainda mais velho, com uma barba cerrada que a machucava, algumas rugas de expressão e boas histórias pra contar. Mas não tinham dúvidas: eram ambos adolescentes, passionais, loucos. Eram ambos irresistíveis um para o outro.

Impossível não lembrar das vezes em que andavam de mãos dadas pelas ruas de um certo balneário. Em uma delas, durante um passeio pela orla, ele a pediu em casamento. O dia estava feio, nublado, avesso a qualquer tipo de romantismo. Mas o garoto primava pela criatividade, alimentada pela paixão hormonal e por um senso de oportunidade inigualável. Luana nem imaginava que estavam comemorando cento e quarenta dias de namoro. Para ela, só havia comemorações em datas redondas: um mês, um ano, quem sabe uma década. Contar os dias era impossível.

O adolescente apaixonado pensava de outra forma. Não enxergava pieguice em nenhuma manifestação amorosa. Para ser completo, o amor precisava ser ridículo, precisava de extravagâncias e, acima de tudo, precisava de testemunhas. No meio da caminhada pelo calçadão, ele a convidou para almoçar. Um convite estranho para o horário: onze e meia da manhã. Mas ela não recusou, nem mesmo quando recebeu a pequena faixa de pano e o pedido para que vendasse os olhos.

- O que é isso, Solano?
- Confia em mim, meu amor.

Andaram por mais alguns metros até uma pequena escada que levava à praia. A areia penetrou nas sandálias, deixando-a ainda mais intrigada. Vamos almoçar à beira-mar? Calma, estamos chegando. Não chovia, mas um vento frio entrava pela lateral da blusa, arrepiando a pele já umedecida pela ansiedade. Os passos lentos no solo fofo tornaram o trajeto um pouco mais demorado que o previsto. Vendada, Luana aproveitava os outros sentidos para se localizar. Ouvia poucas vozes. O cheiro de maresia ficava mais forte a cada passo, embora se misturasse com um aroma incomum, de difícil identificação. Um gosto doce tomava conta do palato, talvez influenciado pelo tal aroma desconhecido.

Quando sentiu a água bater nos tornozelos, Solano pediu que parasse de andar. Apesar do vento, o mar estava calmo, como se fosse um dia de verão. O namorado a pegou pelos ombros, posicionou-a em direção ao horizonte e só depois permitiu que retirasse a venda, o que ela fez com toda a calma do mundo, saboreando o momento. Os olhos demoraram alguns segundos para se acostumar com a luz, tornando a cena ainda mais intensa, já que a imagem apareceu paulatinamente, como um espetáculo que se descortina para o espectador.

Cento e vinte barcos de papel machê navegavam em círculos. Nas pequenas velas que os impulsionavam era possível ver o nome dela escrito com letras góticas, além de um coração estilizado que o envolvia. Os amigos do casal, todos adolescentes, aplaudiam o gesto romântico, do qual haviam sido cúmplices e artífices. Dos dedos de Solano surgiu uma linha de naillon presa a um dos barquinhos, que estava próximo da areia. Ele puxou o fio lentamente, em movimentos sincronizados, para não derrubar a embarcação. Na ponta do mastro, havia uma aliança de ouro cuidadosamente amarrada, cuja gravação no interior trazia o nome de ambos e um sinal místico que só eles compreendiam. Não foi preciso dizer mais nada, apenas ouvir a resposta.

- Eu aceito.

Os amigos ergueram os copos em torno da gigantesca toalha estendida na areia, cujos isopores com cerveja dividiam espaço com doces e salgados comprados numa padaria do bairro. As lágrimas eram coletivas.

Depois do almoço, Solano colocou o isopor na cabeça e partiu com a namorada. O amor juvenil precisava de atitude.

O amor juvenil precisava ser carregado.