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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Papo de mulherzinha - o jantar cancelado

Ontem, recebi um desses e-mails de mulherzinha. Sou ligada na internet, mesmo. É minha melhor companhia, doutora. Na rede, posso ser quem eu quiser. A Angelina Jolie, a Gisele Bünchen, a Jéssica Biel. Dá até pra ser a mulher maravilha, com cintinho vermelho e tudo. Na internet, a Olga não existe. Ninguém me conhece. Ninguém sabe meu peso, minha altura, a cor do meu cabelo. Não sabem se estou na TPM, se comi cebola crua, se quero matar a mãe do Carlinho. Não, não quero matar a tua mãe, Carlinho! É só força de expressão. Deixa de ser paranóico!

Posso falar do e-mail, agora? Fica calado um minuto, Carlinho! Isso é terapia de casal, tem que dar um espaço pra mim.

É o seguinte: o cara chama a mulher pra jantar. Não, não é real. Tô só contando o que tava no e-mail. Começa assim: com um convite pra jantar. É de manhã e o convite é pro final do dia, claro. A mulher aceita como se fosse a coisa mais natural do mundo, mas sabe que seu inferno astral acaba de chegar. Ela tem que estar preparada. Primeiro, entra numa dieta zero pra não parecer gorda no primeiro encontro. Fica a manhã inteira só bebendo água, mas quando está quase desmaiando come uma fatia de queijo e duas barras de chocolate. Acaba engordando o dobro.

Depois tem que fazer pé e mão. Não é frescura. Pode estar nevando pra você usar suas botas de cano alto. Não importa. Se o sujeito resolve ir a um restaurante japonês, já era. Aquela cutícula do tamanho de uma azeitona vai ficar do lado de fora. Ou você acha que a meia esconde essa unha horrível? Com o cabelo é a mesma coisa: hidratação, escova, retoque da raiz. Pronto, a tarde já foi embora. E ainda tem a depilação. Pois é! Vai que rola alguma coisa!? Então também tem que usar uma lingerie apertada na bunda, daquelas que incomodam mais do que pêlo encravado, porque ninguém fica com tesão em calcinha cor da pele. E se é assim, vale uma passada correndo no shopping pra comprar um vestido novo. Mas como o Zé Mané nunca comunica pra onde vai te levar, você não sabe o que escolher: fica que nem um zumbi vagando pelos corredores, louca, insana, desesperada. Sem falar na maquiagem, no banho com sais, na esfoliação com esponja de aço.

A hora já chegou e você está em pânico. Mesmo assim, fica prontinha para o encontro. Não atrasa nem um minuto.

Só que, faltando trinta segundos, ele te liga pra cancelar. Pintou um problema aqui no escritório, querida. Dá vontade de cravar o salto na cabeça do infeliz!

É assim que eu me sinto, doutora. Faço tudo pela gente, mas o Carlinho sempre cancela nosso jantar. Não interessa que eu tenha separado cílio por cílio com um palito de dentes, que tenha caprichado no rímel, malhado glúteo, usado sabonete aromático, feito massagem. Que tenha me encolhido num vestido micro, sem respirar, só pra parecer mais sensual. Que não sinta mais os dedos do pé devido ao princípio de gangrena por causa do sapato de bico fino. Não importa. Pra ele, tudo é muito simples: basta colocar uma calça jeans, vestir a camisa pólo e calçar um sapato qualquer. Pode cancelar o mundo que nada de grave vai acontecer. Não é isso, Carlinho?

Foi só um e-mail, doutora. Mas bateu fundo. Nem sei quem é o autor. Deve ser um desses textos anônimos que circulam pela internet. Mas pareceu escrito pra mim. Só pra mim.

Minha vida é um jantar cancelado.