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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O livro de contos de Marcio Renato dos Santos



Um autor em busca de tradução

Os homens sem alma não sorriem. Os homens sem alma carregam pastas. Os homens sem alma caminham pela Rua XV, em Curitiba, cidade que serve de cenário para os sete contos do livro de Marcio Renato dos Santos, cuja carreira no jornalismo e na crítica cultural já é conhecida em todo país.

O autor mora na capital paranaense e a expressão “homens sem alma” é cotidianamente repetida por ele, como um mantra, em suas conversas com amigos e colegas de redação. Duas informações que já seriam suficientes para identificar o teor autobiográfico de seus textos. Mas ele é ainda mais incisivo. O tom confessional começa no próprio título: Minda-Au foi a tradução que encontrou para a palavra dromedário quando tinha menos de uma ano de idade.

A partir desta palavra, ele diz que começou a se tornar Marcio Renato dos Santos. Ou seja, foi através da linguagem que começa a ter identidade. Ou, pelo menos, a buscar essa identidade. O que fica ainda mais evidente nas influências literárias de seus contos. Em “O espírito da Floresta”, por exemplo, o realismo fantástico o aproxima de uma determinada vertente da literatura latino-americana. Já em “De teletransporte nº 2”, Marcio subverte a pontuação, ignorando vírgulas e parágrafos, em um claro tributo a José Saramago.

Mas é no conto “Ali, agora”, o último do livro, que o autor se revela com mais intensidade, ao homenagear seu mestre, um escritor cujo nome não é mencionado. Só sabemos que ele morreu de câncer, com mais de sessenta anos. E que, além de habitar a mesma Curitiba, traduziu-a em palavras.

Minda-Au é o livro de um autor em busca da mais difícil das traduções. Seus contos ultrapassam a metalinguagem e as estratégias narrativas, pois não há nada mais complexo do que traduzir a si mesmo.

E é preciso muita coragem para tentar.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Um dos melhores livros de 2010



Os onze contos reunidos neste volume confirmam o gosto pela carpintaria estilística presente na literatura de João Anzanello Carrascoza. Entretanto, ao contrário de outros escritores contemporâneos, Carrascoza não tem na construção linguística o único objetivo de sua narrativa. Embora a preocupação com linguagem ocupe grande parte da obra, seu foco principal ainda é na precariedade da condição humana.

Este é o quinto livro de contos do autor, que também escreve para o público infanto-juvenil. Aliás, tal atividade parece ter forte influência nas histórias de Espinhos e Alfinetes, pois o olhar sobre a infância está presente em quase todos os textos. Carrascoza carrega na dramaticidade das relações entre pais e filhos de maneira poética, através de um encantamento peculiar, que é, ao mesmo tempo, sensível e preciso: “O pai voltou à sala, abotoado em seus silêncios. O menino sabia que era hora de não perturbá-lo, de só admirá-lo a ponto de se esquecer dele, num falso esquecimento”

Os contos de Carrascoza estão repletos de lirismo, mas não de sentimentalismo. Com muita habilidade, o autor consegue se equilibrar entre o ambiente onírico da fantasia e a dura percepção da realidade. Não seria exagero apontá-lo como um dos melhores contistas do país.