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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Crônica de hoje no Jornal do Brasil - O amor de Michel e Dilma

Era uma história de amor muito improvável. Tão improvável como só as verdadeiras histórias são. Um amor de claustro, amor furtivo, amor nas entrelinhas. Um amor construído na alcova, longe dos olhos de todos, para não chocar os incrédulos.

Dilma morava numa cidade periférica. Michel em uma grande metrópole. Ela tinha canelas finas e joelhos ralados pela vida no campo. Ele andava de terno, usava perfume caro e frequentava rodas literárias de qualidade duvidosa, embora se declarasse fã de Otto Lara Resende e outros mineiros ilustres, o que era uma afronta para os paulistas, seus fiéis correligionários.

Conheceram-se numa dessas redes sociais. Outra improbabilidade. Quantos amigos em comum são necessários para aproximar duas pessoas tão distantes? Mas o amor virtual é assim: surpreendente, arrebatador. Na rede, primeiro se conhece a letra para depois se conhecer a voz, como dizia o poeta gaúcho, um tal de Carpinejar.

“O amor virtual não é alienação. É envolvimento, amizade, compromisso. É pressentir o cheiro, formigar os ouvidos, seduzir devagar. Não há paixão que não ofereça mais do que foi pedido. Quem reclamava da ausência de preliminares deve comemorar o amor virtual. Nunca se teve tanta preliminar nas relações, rodeios, educação”, concluía o mesmo poeta.

E assim Dilma e Michel se apaixonaram e resolveram sair do virtual para o real. Ele se ofereceu em casamento no primeiro encontro. Porque o verdadeiro apaixonado não pede, se oferece. “Somos um casal perfeito”, ele disse. “Temos cumplicidade”, ela emendou.

Mas Dilma era comprometida, já tinha um pretendente, um bom partido. E que partido! Só não era maior que o partido de Michel, este também comprometido havia alguns anos. O que fazer? A intimidade permitiu críticas mútuas, conselhos, tentativas de solução.

- Dilma, minha querida. Esse teu partido tem estrela, é um sortudo. Mas não tem nada a ver contigo. Sempre achei que você deveria estar mais perto do sol.

- Era sob o sol que gostaria de estar, querido Michel. Mas o hábito me prende aqui. Pelo menos, ele não tem crises de ciúme como o teu partido. Não sei como ainda podes estar com alguém tão volúvel.

A essa altura, Dilma já ostentava as mudanças inerentes às mulheres que professam suas crenças e tentam ministrar suas vontades. As olheiras escondidas pela maquiagem francesa, as unhas pintadas de vermelho e um cabelo tão bonito que as invejosas juravam se tratar de uma peruca.

Michel também mudou. Emagreceu, tirou o terno e alugou uma cabana na serra para formalizar o pedido. Deitaram-se na rede estendida na varanda, depois de um banho demorado na piscina de água quente que ficava ao lado da sauna a vapor. Ele abriu o champagne. Ela estendeu as taças.

- Não precisamos de um bom partido. Precisamos um do outro, meu amor – disseram, ao mesmo tempo, como se fosse ensaiado.

E os próprios partidos se deram conta de que não tinham a menor importância diante daquela paixão. A eles restava apenas ceder o tempo para que os noivos pudessem chegar até o altar. Não que fossem esquecidos, pois ainda poderiam contar com a amizade sincera do casal, que seria generoso na hora de cortar o bolo da festa. Sem falar que o buquê teria endereço certo para que um deles pudesse se casar na oportunidade seguinte.

Durante a cerimônia, Dilma e Michel se ajoelharam diante do padre barbudo, que também era padrinho e tio da noiva, situação pouco comum nos casórios nacionais. Trocaram alianças depois de inúmeras viagens e aventuras pelo país e pelo mundo. E continuariam viajando após o casamento. Afinal, era pra isso que estavam juntos.

A cumplicidade os tornou ainda mais próximos. Uma volúpia incontida tomou conta deles assim que entraram na casa presenteada pelos padrinhos. Era a lascívia do poder, a libido da conquista mútua. Na alvorada, dedicavam-se a pequenos prazeres: morangos com chocolate, romané conti, brincadeiras infantis e longas conversas que entravam pela madrugada. Riam de tudo e de nada, como só os apaixonados fazem. Estavam juntos e se bastavam.

Se isso não é amor, o que mais pode ser?


· Felipe Pena é jornalista, escritor e professor da oficina de crônicas da Universidade Federal Fluminense.

5 comentários:

@BrunoSNN disse...

HAHAH!>>>

Muito boa a crônica!!
Verdadeira e sarcástica.

OTIMA!!!!

Felipe Pena disse...

Obrigado, meu caro. Vamos ver o que a ministra acha, rs.

Marcos Daniel Santi disse...

Boa sacada do autor. Alianças, partidos... muito boa mesmo.
Parabéns

Jaciara Rodrigues disse...

Olá Felipe, tudo bem? Meu nome é Jaciara Rodrigues, sou jornalista frila e faço assessoria para autores.No momento, divulgo o livro de contos de Miriam Mambrini pela Bom Texto Editora. Recentemente ela leu e gostou de um artigo seu no Ideias sobre qualidade da narrativa e me pediu para enviar um exemplar pra ti. Se estiver Ok pra você e puder mandar um endereço de correspondência para rjaciara@uol.com.br, agradeço muitíssimo. Meus telefones são
(21) 8121-2474 e 3256-2605, caso queira. Um abraço e obrigada,
Jaciara

Jacinta disse...

Sim: isso é amor, e desse amor se vive, e se morre, e se mata: sobretudo "consciências". Só espero que esse "conluio", digo, casamento, não acabe como em Medéia. Jasões é o que não nos faltam aí, rs.