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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Crônica da semana passada no Jornal do Brasil

Solano e Luana

Nada como um amor juvenil. Os fiapos de pêlo surgindo no rosto, os hormônios transbordando, a insegurança perene. O amor juvenil é sincero, úmido, urgente. Amor de peixe, com as guelras inundadas e o oceano pela frente. O amor juvenil não precisa de explicação, é autorreferencial, um vício desde o início, como diria o Caetano. Mas o melhor dos vícios, cuja dependência é tudo que queremos.

É verdade que Luana já não era tão juvenil assim: tinha o cabelo pintado, um passado de guerrilha e já espalhava creme da Victoria Secret’s por todo o corpo. E ele... Bem, ele era ainda mais velho, com uma barba cerrada que a machucava, algumas rugas de expressão e boas histórias pra contar. Mas não tinham dúvidas: eram ambos adolescentes, passionais, loucos. Eram ambos irresistíveis um para o outro.

Impossível não lembrar das vezes em que andavam de mãos dadas pelas ruas de um certo balneário. Em uma delas, durante um passeio pela orla, ele a pediu em casamento. O dia estava feio, nublado, avesso a qualquer tipo de romantismo. Mas o garoto primava pela criatividade, alimentada pela paixão hormonal e por um senso de oportunidade inigualável. Luana nem imaginava que estavam comemorando cento e quarenta dias de namoro. Para ela, só havia comemorações em datas redondas: um mês, um ano, quem sabe uma década. Contar os dias era impossível.

O adolescente apaixonado pensava de outra forma. Não enxergava pieguice em nenhuma manifestação amorosa. Para ser completo, o amor precisava ser ridículo, precisava de extravagâncias e, acima de tudo, precisava de testemunhas. No meio da caminhada pelo calçadão, ele a convidou para almoçar. Um convite estranho para o horário: onze e meia da manhã. Mas ela não recusou, nem mesmo quando recebeu a pequena faixa de pano e o pedido para que vendasse os olhos.

- O que é isso, Solano?
- Confia em mim, meu amor.

Andaram por mais alguns metros até uma pequena escada que levava à praia. A areia penetrou nas sandálias, deixando-a ainda mais intrigada. Vamos almoçar à beira-mar? Calma, estamos chegando. Não chovia, mas um vento frio entrava pela lateral da blusa, arrepiando a pele já umedecida pela ansiedade. Os passos lentos no solo fofo tornaram o trajeto um pouco mais demorado que o previsto. Vendada, Luana aproveitava os outros sentidos para se localizar. Ouvia poucas vozes. O cheiro de maresia ficava mais forte a cada passo, embora se misturasse com um aroma incomum, de difícil identificação. Um gosto doce tomava conta do palato, talvez influenciado pelo tal aroma desconhecido.

Quando sentiu a água bater nos tornozelos, Solano pediu que parasse de andar. Apesar do vento, o mar estava calmo, como se fosse um dia de verão. O namorado a pegou pelos ombros, posicionou-a em direção ao horizonte e só depois permitiu que retirasse a venda, o que ela fez com toda a calma do mundo, saboreando o momento. Os olhos demoraram alguns segundos para se acostumar com a luz, tornando a cena ainda mais intensa, já que a imagem apareceu paulatinamente, como um espetáculo que se descortina para o espectador.

Cento e vinte barcos de papel machê navegavam em círculos. Nas pequenas velas que os impulsionavam era possível ver o nome dela escrito com letras góticas, além de um coração estilizado que o envolvia. Os amigos do casal, todos adolescentes, aplaudiam o gesto romântico, do qual haviam sido cúmplices e artífices. Dos dedos de Solano surgiu uma linha de naillon presa a um dos barquinhos, que estava próximo da areia. Ele puxou o fio lentamente, em movimentos sincronizados, para não derrubar a embarcação. Na ponta do mastro, havia uma aliança de ouro cuidadosamente amarrada, cuja gravação no interior trazia o nome de ambos e um sinal místico que só eles compreendiam. Não foi preciso dizer mais nada, apenas ouvir a resposta.

- Eu aceito.

Os amigos ergueram os copos em torno da gigantesca toalha estendida na areia, cujos isopores com cerveja dividiam espaço com doces e salgados comprados numa padaria do bairro. As lágrimas eram coletivas.

Depois do almoço, Solano colocou o isopor na cabeça e partiu com a namorada. O amor juvenil precisava de atitude.

O amor juvenil precisava ser carregado.

3 comentários:

Paçoca disse...

Que linda história de amor e com final feliz, o que é mais importante. Adorei. Bjs "Miranda" Márcia

Iguimarães disse...

Um grande amor para ser imenso,precisa de eternas pequenas atitudes

Luigi Spreafico disse...

Caro Mestre
Isso sim é uma crõnica! Continuo aprendendo.
Luigi