Se eu fechar os olhos agora, romance de estréia de nosso amigo Edney Silvestre, alia pesquisa histórica, sensibilidade poética e um enredo ágil, envolvente. "Viva a narrativa", foi minha primeira reação ao terminar o livro, cujo final me emocionou radicalmente. Edney se preocupa em contar uma boa história, utiliza plots, prende o leitor. Viva ele!
A entrevista abaixo foi feita por mim no ano passado para a revista Contracampo. Acho que vale a pena repeti-la.
“Os escritores sentem a obrigação de serem experimentais. Isso é muito chato. Só os acadêmicos têm paciência de ler. O sujeito fica preocupado com a linguagem e esquece de contar uma história.”
“Aqui no programa não há nenhum preconceito. Acho que os escritores devem batalhar para ter a obra divulgada.”
O menino tímido de Valença, interior do Rio, ainda habita o repórter da Rede Globo de Televisão. As frases docemente articuladas, a voz grave e o tom veludo das pausas tranqüilizam o interlocutor. Transmitem confiança. Dão melodia aos diálogos. A timidez de Edney Silvestre é musical e sedutora. Uma companheira onipresente, que fica ainda mais perceptível durante o relato das lembranças de infância. Quando fala de si, a respiração torna-se mais pausada, as palavras parecem franciscanas, as histórias deslizam cadenciadas pelo timbre incomum do narrador.
Sua primeira memória literária remete aos quatro anos de idade, quando sofria de uma anemia profunda. “Eu era uma criança doente e não podia brincar. Então, me deram uns livros infantis. Não sei quais. Mas eu lembro de minha primeira professora primária lendo poemas de Fagundes Varela em sala de aula. Depois, quando fui alfabetizado regularmente, passei a freqüentar a biblioteca pública de Valença, onde as leituras eram livres, desde Tarzan até a biografia de Napoleão Bonaparte”
Aos doze anos, Edney conheceu Charles Dickens e Thomas Mann. Aos quatorze, leu a obra completa de Jean Paul Sartre e, em seguida, enveredou pela literatura brasileira através de Fernando Sabino. O jornalismo aconteceu por acaso. Não foi sua primeira escolha profissional. “Eu entrei para a Faculdade de História, mas não completei o curso. Fiz um curta-metragem que ganhou alguns prêmios e me convidaram para escrever uma crônica em O Jornal, onde começou minha carreira jornalística.”
Nessa época, as leituras de Dickens eram feitas no original - assim como os filmes americanos, vistos sem legendas no cinema de Valença - e ele foi convidado para redigir notícias em inglês para a Manchete Press, a agência de notícias do grupo Bloch. Durante alguns anos, trabalhou na empresa comandada pelo folclórico Adolpho Bloch, onde também escreveu reportagens para a revista Manchete e para a Fatos e Fotos, cujo editor-chefe, transferido para a revista O Cruzeiro, o levou para um novo emprego.
Mas a carreira jornalística foi interrompida prematuramente. Edney se demitiu de O Jornal, após ser censurado por fazer uma reportagem sobre a falência de um fabricante de charutos, o que acabou inviabilizando seus outros empregos. “A partir dali, ficou difícil conseguir trabalho e eu mudei de ramo. Como achava que sabia escrever e sabia fazer cinema, optei pela publicidade.”
Ao abrir as páginas amarelas em busca do novo emprego, conseguiu uma vaga na agência DPZ, a última em que procurou. Anos mais tarde, foi contratado pela produtora KSK Visuals para trabalhar em Nova Iorque e se mudou para os Estados Unidos. Só em 1992 voltou ao jornalismo, como correspondente do jornal O Globo na Big Apple. E, em 1996, criou o programa Milênio, ao lado do jornalista Paulo Francis, para a recém-lançada Globo News.
Há seis anos no comando do Programa Espaço Aberto Literatura, Edney conduz suas entrevistas com a mesma calma com que conversa em uma mesa de bar, onde ocorreu nosso encontro. Ele acabara de participar de um programa de TV produzido por estudantes da Universidade Gama Filho, cuja locação, em pleno shopping Downtown, na Barra da Tijuca, parecia ser o único detalhe que o inquietava.
- Preciso voltar para o Rio antes das quatro. – diz, olhando para o meu relógio, que marca duas e trinta e cinco.
- Aqui em São Paulo as distâncias são maiores. – respondo, entrando no comentário crítico e bem humorado sobre o bairro emergente da cidade.
Peço uma água mineral e um suco de laranja. Nossa conversa é apenas um complemento, já que a entrevista fora feita na semana anterior, por telefone. Mas a voz pausada continua a mesma, apesar da preocupação com a iminente “viagem interestadual”.
Contracampo: Sua estréia na televisão foi ao lado de Paulo Francis, outro grande conhecedor de literatura. O Milênio deveria ser um programa sobre livros?
Edney Silvestre: Não. O programa deveria falar de literatura, de arte, de música, etc. Eu fui para a Globo News em 1996 porque o Paulo Francis me conhecia através de uma entrevista que eu havia feito com o Norman Mailler. Até o entrevistado ficou impressionado porque eu lembrava de coisas que ele mesmo havia esquecido. Aliás, esse é o truque. Você estuda a vida do sujeito e vai para entrevista sabendo mais sobre ele do que o próprio. Nessa época, o Francis tinha uma coluna no Globo, o Diário da Corte, e me elogiou. Então, veio o convite para fazer televisão. E surgiu o Milênio.
Contracampo: Qual era a idéia original do programa?
Edney: Eu queria fazer um programa que eu não via na televisão. A literatura veio muito em função disso. Nós colocávamos o Norman Mailler e outros personagens, não necessariamente escritores. Então, a proposta era inovar, trazer discussões diferentes e relevantes. Depois, o Paulo Francis morreu e entrou o Lucas Mendes. Em seguida, o programa tomou outros rumos e eu voltei para o Brasil.
Contracampo: E aí você foi para o Espaço Aberto literatura?
Edney: Sim. Quando eu voltei para o Brasil, a Alice Maria (diretora geral da Globo News) me convidou para substituir o Pedro Bial. Mas, antes, teve o Zeca Camargo e outros.
Contracampo: Como você lida com a responsabilidade de comandar um programa sobre literatura em um país que lê tão pouco? Como escolher os entrevistados? Quais são os critérios do programa?
Edney: Isso é realmente muito difícil. Só uma editora lança sessenta livros por mês no mercado. E eu só tenho espaço para entrevistar quatro autores, mensalmente, entre todos que são lançados por todas as editoras. Eu tento variar entre escritores iniciantes e consagrados, mas é difícil definir critérios absolutos para isso.
Contracampo: Há uma intertextualidade nas tuas escolhas. É preciso saber antes sobre os livros. É preciso ler sobre eles em algum lugar. Que referências são essas?
Edney: Nós recebemos livros de vários lugares. É claro que as editoras mandam, as assessorias de imprensa também. Mas nós estamos sempre ligados. Não só nas mídias tradicionais, mas também na internet. Eu leio. O Paulo Marcelo, que dirige o programa, também lê. O Claufe Rodrigues, produtor e editor, lê. Outros editores e colegas lêem. E aí vamos escolhendo. Todos adoram descobrir pessoas. Sempre naquele pêndulo entre novatos e antigos.
Contracampo: Que autores novos você destaca?
Edney: Por exemplo, a Maria Helena Maciel, que é uma professora de literatura mineira, autora de O livro dos nomes. Ou a Tatiana Salem Levy, aqui do Rio, que escreveu A Chave da Casa. E há também um cara de Pernambuco, o Homero Fonseca, que escreveu um livro chamado Roliúde. Todos eles estiveram no programa. São pessoas que o público não conhece e a gente tenta revelar.
Contracampo: Qual é a repercussão quando você entrevista um autor novato? Vocês têm instrumentos para medir isso?
Edney: Sim. Muitas vezes os próprios autores nos falam da repercussão. O Jair Ferreira dos Santos, por exemplo, que escreveu o livro de contos CiberSenzala, aumentou muito a sua venda. E eu descobri o livro por acaso. Depois da entrevista, ele já chegou até a segunda edição.
Contracampo: Então, sem a mídia, a literatura fica inviabilizada?
Edney: Eu acho que sim. E o motivo é simples: como você vai tomar conhecimento de um livro sem a mídia? É impossível.
Contracampo: Mas os escritores têm um certo pudor para fazer divulgação. Parece que há um preconceito da crítica e da imprensa quando eles se engajam na divulgação da própria obra.
Edney: Aqui não há nenhum preconceito. Acho que os escritores devem batalhar para ter a obra divulgada. E as editoras devem investir mais nisso também. Há livrarias que vendem espaço nas gôndolas. Mas o que acontece com os autores que não têm divulgação? Vão para o fundo das prateleiras.
Contracampo: Você são pautados pela academia? Como é a relação com os críticos universitários?
Edney: Ainda há uma visão elitista da academia sobre o papel da literatura. É um ato narcísico, tanto dos autores, que escrevem apenas para a crítica acadêmica, quanto dos próprios críticos, que ficam naquela masturbação mental de fazer experimentos. Paradoxalmente, isso é uma velhice, uma coisa antiga, não tem nada de novo. Tudo que podia ser experimentado já foi. Ninguém quer mais contar histórias, só se preocupam com a linguagem.
Contracampo: O que a literatura perde com isso?
Edney: Perde leitores. Os escritores sentem a obrigação de serem experimentais. Isso é muito chato. Só os acadêmicos têm paciência de ler. O sujeito fica preocupado com a linguagem e esquece de contar uma história.
Contracampo: Isso pode acarretar injustiças? Novos autores podem ter a carreira encerrada por causa de uma crítica preconceituosa?
Edney: Sim. Isso é grave. Se o escritor não tiver o ego no lugar, desiste de escrever. A Tatiana Levy é um exemplo disso. O último livro dela foi muito mal criticado por uma acadêmica que disse que aquilo não passava das memórias de uma menina. Foi muito injusto. Ainda bem que ela não foi destruída por isso. E olha que foi a única resenha que saiu.
Contracampo: Há um abismo entre a academia e o leitor?
Edney: Sim. E isso afasta o público. Ficar sentado em um gabinete teorizando sobre literatura é muito fácil. O leitor quer uma história bem contada. Não quer exercícios narcísicos de linguagem, que só interessam aos acadêmicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário