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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

sábado, 30 de outubro de 2010

Um erro emocional - resenha publicada na Folha de S. Paulo

EM NOME DO LEITOR

Por Felipe Pena

Numa noite inspirada, durante a Feira Literária Internacional de Paraty de 2009, o escritor português António Lobo Antunes resumiu o que pensava sobre a recepção de sua obra pelo público com uma pequena frase de efeito: “o nome do leitor é que deveria vir na capa do livro, não o do escritor.”

Na plateia, o escritor brasileiro mais premiado do ano anterior buscava um diálogo imaginário com seu colega luso: “claro que sim, pois o leitor é que realiza o livro,” respondeu Cristóvão Tezza, vencedor dos prêmios Jabuti, São Paulo, APCA, Portugal Telecom, Bravo! e Zaffari & Bourbon de literatura com o romance O filho eterno, uma obra declaradamente autobiográfica que tem na fluência dramática seu grande mérito narrativo.

A preocupação com a resposta do leitor parece presente em quase todos os livros de Tezza. Não apenas pela já referida fruição, mas, também pelo flagrante desejo de contemplação que permeia seu texto. Consciente de que “os escritores são animais agonizantes e que se deve ter cuidado ao tocá-los”, como diz a personagem principal de seu mais novo romance, o autor catarinense escancara essa relação de dependência em seus diálogos, mas constrói elipses estratégicas para que eles, os leitores, possam grafar o nome no gigantesco espaço acima do título.

Nesse sentido, Um erro emocional é um livro para ser assinado por quem o lê. O enredo trata da conflituosa relação entre um escritor e sua leitora, dois seres que, aparentemente, habitam mundos diametralmente opostos, mas cuja interdependência permite uma aproximação pela própria história que os conduz. Paulo, o escritor, acredita ter encontrado a leitora ideal. Beatriz, a leitora, idealiza o autor através de seus livros. E não é disso que trata a literatura, ou melhor, a própria vida: idealização?

Os personagens sabem que os sentimentos carregam a mediação de conceitos e juízos de valor. Então por que não se deixar mediar pela palavra, a mãe de todas as mediações? É assim que os personagens se tornam cúmplices e revivem seus fracassos amorosos, suas frustrações e seus sonhos interrompidos.

Mas não se engane: este não é um romance metalinguístico. Embora tenha escolhido um escritor como personagem principal e até cite alguns autores modernosos durante o livro, Tezza não abre mão de sua marca principal: a história bem contada. Novamente, é o universo dramático que enreda a trama, levando o leitor a se tornar testemunha privilegiada dos acontecimentos. E isso é feito através de uma elaborada carpintaria literária.

Pra começar, os personagens dão a impressão de não dialogarem diretamente. Entretanto, o que poderia parecer um recurso trivial ganha originalidade na construção narrativa do autor. Mais do que explorar os diálogos interiores e discursos indiretos, Tezza nos conduz por atalhos abertos pelos coadjuvantes. São personagens de fundo - como Claudia, Cássio, Doralice e Donetti, por exemplo - que nos revelam as ações dos protagonistas, Paulo e Beatriz.

Tal configuração estilística talvez seja consequência da maneira como o romance foi se formando. Um erro emocional seria apenas um dos contos de uma antologia encomendada pela editora Record. Mas a complexidade da personagem Beatriz fez com que o autor esticasse a trama. A partir daí, ele costurou a relação com os demais personagens, cujas biografias foram construídas no interior do conflito principal.

Se fosse outro escritor, o resultado poderia ser volátil. Mas, ao lembrar que a obra só se completa na recepção (uma característica ignorada por muitos autores), Cristóvão Tezza nos entrega um livro perturbador, original e com lacunas bem dosadas, deixando para o leitor a prazerosa tarefa de se embrenhar pelas costuras e escrever o próprio nome na capa.

4 comentários:

Jacinta disse...

A sua resenha sobre o livro do Tezza, me lembrou um poema da Lya Luft, no qual ela diz: "O meu reino é o do silêncio, mais do que as palavras. / Nele tudo pode ser dito e desinventado/ As entrelinhas transbordam dos meus contornos"... A literatura não se cumpriria se ela fosse apenas de palavras...no silêncio e nas entrelinhas, ou no silêncio das entrelinhas, inscreve-se, de modo irrenunciável, o nome do leitor/autor.

Rogério Christofoletti disse...

Felipe, com a sua resenha, fiquei com água na boca de ler mais este de Cristóvão Tezza. O filho eterno é simplesmente arrebatador, de tão fragilizante... vou atrás das suas pistas. abs

Jeferson Cardoso disse...

Meu caro Felipe; a frase de Antônio Lobo Antunes me fez lembrar uma frase que Rubem Alves escreveu em seu livro, Se pudesse viver minha vida novamente: "Eu mesmo sou o que sou pelos escritores que devorei... E, se escrevo, é na esperança de ser devorado pelos meus leitores."
Penso que esse é o desejo de todo escritor.

Gostaria de contar com seu voto para o Top Blog 2010, últimos dias. Na primeira fase fui bem votado, mas na segunda estou ficando para trás. Preciso que os amigos entrem no meu blog e clicando no selo Top Blog preencham os campos nome e email, e depois confirmem. Ainda há chance, porém, não sem sua ajuda. Agradeço desde já.

Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

Paula Carvalho disse...

Criei uma comunidade no orkut sobre seu livro "Teoria do Jornalismo". Te sigo no twitter. @paulacarvalho16

Abraço ;*