Querido Caetano, todo mundo sabe que você não gosta do cara, mas sua mãe gosta. Só que há um detalhe importante esquecido nessa inversão da lógica do Chico: aqueles que a utilizam para defender o presidente, na verdade o estão atacando. Não entendeu? Tudo bem. Às vezes, eu também não entendo o que você diz, mas, mesmo assim, insisto nas entrelinhas. Então, permita que eu explique. Antes, porém, devo me apresentar.
Sou professor da Universidade Federal Fluminense, no Rio, onde leciono jornalismo e oficinas de literatura. É uma escola pública, daquelas que têm paredes descascadas, cadeiras quebradas e lousas destruídas pelo tempo. Há dois anos, também trabalhava como comentarista político na emissora estatal, a TV Brasil, mas fui censurado por criticar o governo e acabei saindo do programa que fazia.
Assim como você, também votei chorando no operário do ABC. Em 1989, carregava bandeiras do partido e enchia meu carro de adesivos, além de entoar aquele jingle de campanha gravado por artistas e intelectuais. Era o homem lá e eu aqui, emocionado, estudando Marx e Marcuse, e me preparando para, um dia, também influir na política.
Cômico e trágico, né não, Caê? Doce ilusão de um doce bárbaro que se achava a vanguarda do universo e ainda virou professor porque queria mudar o país e o mundo. Fala sério, meu rei: vinte anos depois, você ainda acha que os intelectuais e artistas influenciam na eleição? Temos alguma missão a cumprir nesse mundo de maletas e cuecas? Somos referência para os que votam?
Então por que todos ficaram ruborizados quando o Aderbal chamou a moça de peruca de futura presidente? O sujeito apenas declarou o voto, nada mais. Qual é o problema? Não haverá nenhum séquito de eleitores se guiando pela opinião divina de um dramaturgo. Aliás, quem montou esse drama não entende nada de teatro.
Dramáticos mesmo somos nós, artistas, intelectuais, escritores. Eu, por exemplo, morri de ciúmes quando você elogiou o livro do Agualusa sobre o dia em que Zumbi tomou o Rio. Como eu queria que você elogiasse o meu romance, Caetano! Aquele sobre a decadência do ensino universitário. Só assim me transformaria em um best-seller e poderia mudar os rumos da educação no país.
Mas você não leu. E a educação continua essa vergonha. Culpa sua, única e exclusivamente sua. Milhões de jovens semialfabetizados continuam vagando por universidades de pífia qualidade por causa de sua irresponsabilidade. Não é de estranhar que o cara lá de Brasília faça pouco caso daqueles que têm diploma. Muito menos que continue a errar conjugações e regências. A culpa é sua, Caetano. Foi você que não leu o livro.
E ainda querem me convencer que somos formadores de opinião. Faça-me rir! Não servimos nem para fiscais de urna. Cultura não rende voto, meu querido. Ninguém quer saber o que pensamos ou discutimos. Há coisas mais importantes: o saco de farinha doado pelo vereador, a dentadura fornecida pelo centro odontológico do deputado, a bolsa mensal para a família depositada no banco do governo. Cultura pra quê?
Nestas terras, meu texto não vale meio panettone. Troco meu livro pelo seu leãozinho criado à base de acarajé e vatapá. O que acha? Os direitos autorais cabem no dedinho da meia do secretário, mas o orgulho é enorme. Você não vai se arrepender! Eu garanto!
Os intelectuais “somos” chatos, herméticos e bestas. O que me faz lembrar uma certa corrente da contemporânea literatura brasileira. Mas deixa isso pra lá. Nosso assunto aqui é outro.
Já ia me esquecendo, Caetano: tenho que explicar a frase do primeiro parágrafo. Qual era mesmo? Sim, a relação entre a inversão da lógica do Chico e o apoio ao presidente com base nas perspectivas eleitorais para o ano que vem. Hummmm! Esse problema é complexo. Muito Complexo.
Sabe o que é, nego? Tá dando uma preguiça! Posso deixar pra próxima? Tudo que eu disse aqui não passa de um arremedo insano de um velho professor metido a romancista. Meu texto, minhas ideias e minha vaidade são apenas ficcionais.
Dê um cheiro em Dona Canô e um abraço nas crianças.
Sou seu fã.
Ou não.
Sou professor da Universidade Federal Fluminense, no Rio, onde leciono jornalismo e oficinas de literatura. É uma escola pública, daquelas que têm paredes descascadas, cadeiras quebradas e lousas destruídas pelo tempo. Há dois anos, também trabalhava como comentarista político na emissora estatal, a TV Brasil, mas fui censurado por criticar o governo e acabei saindo do programa que fazia.
Assim como você, também votei chorando no operário do ABC. Em 1989, carregava bandeiras do partido e enchia meu carro de adesivos, além de entoar aquele jingle de campanha gravado por artistas e intelectuais. Era o homem lá e eu aqui, emocionado, estudando Marx e Marcuse, e me preparando para, um dia, também influir na política.
Cômico e trágico, né não, Caê? Doce ilusão de um doce bárbaro que se achava a vanguarda do universo e ainda virou professor porque queria mudar o país e o mundo. Fala sério, meu rei: vinte anos depois, você ainda acha que os intelectuais e artistas influenciam na eleição? Temos alguma missão a cumprir nesse mundo de maletas e cuecas? Somos referência para os que votam?
Então por que todos ficaram ruborizados quando o Aderbal chamou a moça de peruca de futura presidente? O sujeito apenas declarou o voto, nada mais. Qual é o problema? Não haverá nenhum séquito de eleitores se guiando pela opinião divina de um dramaturgo. Aliás, quem montou esse drama não entende nada de teatro.
Dramáticos mesmo somos nós, artistas, intelectuais, escritores. Eu, por exemplo, morri de ciúmes quando você elogiou o livro do Agualusa sobre o dia em que Zumbi tomou o Rio. Como eu queria que você elogiasse o meu romance, Caetano! Aquele sobre a decadência do ensino universitário. Só assim me transformaria em um best-seller e poderia mudar os rumos da educação no país.
Mas você não leu. E a educação continua essa vergonha. Culpa sua, única e exclusivamente sua. Milhões de jovens semialfabetizados continuam vagando por universidades de pífia qualidade por causa de sua irresponsabilidade. Não é de estranhar que o cara lá de Brasília faça pouco caso daqueles que têm diploma. Muito menos que continue a errar conjugações e regências. A culpa é sua, Caetano. Foi você que não leu o livro.
E ainda querem me convencer que somos formadores de opinião. Faça-me rir! Não servimos nem para fiscais de urna. Cultura não rende voto, meu querido. Ninguém quer saber o que pensamos ou discutimos. Há coisas mais importantes: o saco de farinha doado pelo vereador, a dentadura fornecida pelo centro odontológico do deputado, a bolsa mensal para a família depositada no banco do governo. Cultura pra quê?
Nestas terras, meu texto não vale meio panettone. Troco meu livro pelo seu leãozinho criado à base de acarajé e vatapá. O que acha? Os direitos autorais cabem no dedinho da meia do secretário, mas o orgulho é enorme. Você não vai se arrepender! Eu garanto!
Os intelectuais “somos” chatos, herméticos e bestas. O que me faz lembrar uma certa corrente da contemporânea literatura brasileira. Mas deixa isso pra lá. Nosso assunto aqui é outro.
Já ia me esquecendo, Caetano: tenho que explicar a frase do primeiro parágrafo. Qual era mesmo? Sim, a relação entre a inversão da lógica do Chico e o apoio ao presidente com base nas perspectivas eleitorais para o ano que vem. Hummmm! Esse problema é complexo. Muito Complexo.
Sabe o que é, nego? Tá dando uma preguiça! Posso deixar pra próxima? Tudo que eu disse aqui não passa de um arremedo insano de um velho professor metido a romancista. Meu texto, minhas ideias e minha vaidade são apenas ficcionais.
Dê um cheiro em Dona Canô e um abraço nas crianças.
Sou seu fã.
Ou não.
6 comentários:
Gostei muito da postagem, eu havia lido hoje pela manhã, mas não restou-me tempo para comentar. Agora, depois de alguns goles de vinho eu a mostrei para um amigo, porém não me arrisco comentar. Segue então uma sugestão também enderecada ao mano caetano:
http://letras.terra.com.br/lobao/84858/
Aiai. Acabei de ler a vossa crônica. Mesmo sabendo que se trata de um texto ficcional, aquele parágrafo ali, o que fala de 1989, panfleto, carro cheio de adesivo,jingle, me vi um Felipe pena de saias, rrsrsrs. Só rindo, ou então...tome-lhe réplica de catedrais,rs. Gostei imenso. Sobretudo de sua destreza em tratar de coisas "pesadas" com imensa ternura, ops, leveza, rs. Abç, J;
Gostei muito do seu texto. Uma crítica perfeita aos atuais valores, que, na verdade, são bem antigos, de uma forma irônica echeia de sutilezas...
Parabéns!
Bjs
Renata Cavour
Não sei o que dizer.
Fiquei encantado.
Felipe,acompanho seu trampo desde o Intercom de Curitiba 2009.Adorei a crônica–inflamável.O Brasil precisa de cronistas mais inflamáveis,assim como você.Obrigado,pelo texto.
Abraço
Diogo Mendes
Meu deus! Qto mais leio, mais me surpreendo... Adorei! Não tenho palavras e, ainda que as encontrasse, não ousaria comentar.
Je suis un fan!!!
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